Maria João Guimarães, in Jornal Público
O Tratado Reformador partilha a linguagem imprópria para leigos dos tratados anteriores, mas em termos de conteúdo aproveita mais de 90 por cento da Constituição falhada.
A primeira grande diferença entre o Tratado Reformador e a Constituição é a linguagem usada, que torna bastante mais difícil a leitura e interpretação do novo texto do que o da Constituição rejeitada. Isto dá azo a polémicas com peritos a alegarem uma coisa e outros o seu oposto, tanto sobre questões de princípio como de aplicação prática. Por exemplo: o novo tratado é a Constituição com outro nome ou tem diferenças que permitam dizer que não é uma Constituição? E o Tribunal Europeu de Justiça tem jurisdição em questões de justiça e assuntos internos no Reino Unido?
Primeiro, é preciso notar que o Tratado Reformador é semelhante ao Tratado de Nice, de 2001 (e de Maastricht e aos outros anteriores) por ser um tratado que implica correcções aos outros textos e não algo completamente novo. Tal significa que tem de ser lido com permanente referência aos anteriores - daí que seja difícil imaginar que se torne um best-seller, como aconteceu com a Constituição em França, antes do referendo.
Mas, em termos de conteúdo, acaba por "salvar" grande parte da malograda Constituição - mais precisamente 96 por cento do seu conteúdo, segundo um estudo do think tank britânico e muito eurodesconfiado OpenEurope. A desistência das marcas constitucionais, como o hino, a bandeira ou o lema, dos quais não há vestígios no novo texto, e também o facto de não incluir já a Carta dos Direitos Fundamentais no texto do tratado (apesar de estar num anexo, o que lhe dá o mesmo valor legal, mas permite opt-outs, como o britânico e polaco), fazem com que não seja uma Constituição.
Geralmente, apontam-se como as grandes mudanças deste Tratado Reformador em relação ao Tratado de Nice aquelas que dizem respeito ao sistema de votação no Conselho (e às minorias de bloqueio), à criação de uma figura de presidente fixo do Conselho e ainda de um alto-representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança - as inovações previstas pela Constituição.
Ao ler o tratado, notam-se vários artigos em que é dito "a Comissão e o Parlamento Europeu" onde estava apenas a Comissão, deixando entender um maior papel ao Parlamento Europeu, que vê a co-decisão com o Conselho ser a regra.
Os parlamentos nacionais passam a poder forçar a Comissão a rever uma iniciativa, se um número significativo deles entender que desafia o princípio da subsidiariedade, e os cidadãos passam a poder propor iniciativas legislativas.
Há ainda uma cláusula para a eventualidade de um país requerer a saída da UE.