Ana Cristina Pereira, in Jornal Público
Serviço é desenvolvido pelos "cidadãos para os cidadãos" para resolver problemas de vizinhança ou de escolas, por exemplo. Nasce no Porto
É uma iniciativa da sociedade civil para a sociedade civil a custo zero para os utilizadores. Chama-se Gabinete de Mediação de Conflitos de Lordelo do Ouro e é apresentado esta tarde, num seminário concebido de propósito, no Hotel Ipanema Park, no Porto. Missão: promover paz dentro da comunidade.
"Isto parece ser uma coisa original", comenta Tiago Neves, coordenador do projecto da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP) e da Agência de Desenvolvimento Integrado de Lordelo do Ouro (ADILO), financiado pela Fundação para Ciência e a Tecnologia do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
No gabinete, cinco profissionais qualificados reger-se-ão pelos princípios de confidencialidade, imparcialidade e independência. Todos, excepto Tiago Neves, que é professor auxiliar na FPCEUP, trabalham como mediadores em julgados de paz. Não terá a formalidade de um tribunal - "isto não é um serviço do Estado para os cidadãos, é um serviço dos cidadãos para os cidadãos" -, com uma certa dose de experimentalismo. Irá funcionar dois dias por semana nas instalações da Junta de Freguesia de Lordelo do Ouro.
Podem surgir conflitos de vizinhança, mas também "pode ser que alguma escola apresente uma situação". Para o investigador, o gabinete "faz sentido, porque, cada vez mais, nas sociedades ocidentais, há uma tendência para se desagregarem os grandes mecanismos de controlo e regulação social, seja o Estado, seja algumas das suas esferas, como a educação e a justiça". "Perante esta fragmentação, esta perda de poder dos grandes depositários, cada vez mais os indivíduos terão de assegurar a regulação de alguma parcela da vida social", advoga.
Compromisso de honra
Tiago Neves fala de responsabilização, de cidadania, de uma participação mais activa de cada um na resolução dos seus próprios problemas. E da conjugação desta atitude mais activa com o apoio de um profissional, o mediador, "que não está acima do indivíduo, que não pertence a uma agência de controlo social".
Paula Portugal, juíza responsável pelo Julgado de Paz de Gaia, levanta algumas dúvidas sobre a eficácia destes acordos não homologados por um juiz: "Hoje em dia, um compromisso de honra vale o que vale. Quando um juiz intervém fiscalizar se, em termos jurídicos, o acordo é valido, proporcional. E, depois, conferir se está a ser respeitado."
O secretário de Estado da Justiça, João Tiago Silveira, saúda a iniciativa: "Quanto mais medidas alternativas de resolução de conflitos houver melhor." Ajudam a criar "paz social". E a descongestionar os tribunais. Aliviar a carga dos tribunais é, de resto, uma das preocupações do Governo.
Ainda há pouco foram aprovadas em Conselho de Ministros dez novas medidas. Quem chegar a acordo ou aceitar compromisso arbitral será dispensado de custas e quem inviabilizar a resolução alternativa pagará as custas mesmo que ganhe a acção, por exemplo.
A mediação familiar, até 16 de Julho de 2007 circunscrita a Lisboa e a nove comarcas limítrofes, será alargada. E agora o Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios gere uma lista de mediadores que se podem deslocar.