3.10.07

Igreja pede mais espaço para trabalho social

António Marujo, in Jornal Público

Cardeal diz que já houve momentos mais graves na relação com o Estado, mas avisa que é "desperdício" não aproveitar rede social católica


O cardeal-patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, manifestou ontem a vontade de a Igreja continuar a conversar com o Governo sobre os vários temas que têm feito polémica nos últimos meses, mas disse não considerar a situação "mais grave do que outras que sucederam no passado", bem pelo contrário. Mas, avisa, será um "desperdício" se o Estado não aproveitar a rede de apoio social da Igreja Católica, referindo o exemplo da rede pré-escolar e da ameaça que paira de fecho de muitas dessas escolas.

As considerações do bispo de Lisboa, que se escusou a falar em nome do episcopado (o actual presidente da Conferência Episcopal é o arcebispo de Braga), foram feitas durante um encontro com jornalistas, no Mosteiro de São Vicente de Fora. Pretendendo apresentar o programa da sua diocese para 2007-08, o patriarca teceu considerações acerca das actuais relações da hierarquia católica com o Governo em vários temas.
Foi, no entanto, um encontro a dois tempos e duas vozes: a do patriarca, mais optimista e procurando manter pontes de diálogo; e a do padre Francisco Crespo, ex-presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade e actual director do Departamento da Pastoral Social (DPS) do patriarcado. Para este responsável, "o Estado parece querer abarcar tudo", embora diga acreditar "num verdadeiro diálogo" e reconheça que a Igreja deve ter pessoas capazes de "dialogar de igual para igual" com os agentes do Estado.

O patriarca sublinhou a importância do "vasto parque de instituições" que a Igreja Católica tem na área social, mas que "é preciso valorizar na linha da qualidade". No patriarcado, referiu Francisco Crespo, a lista de serviços que estas instituições prestam é vasta: apoio à infância, ocupação de tempos livres, promoção da mulher, assistência à terceira idade, centros para pessoas com deficiência, apoio à maternidade e aos imigrantes, iniciativas de combate à pobreza, distribuição de comida e bens a pessoas necessitadas, atendimento a toxicodependentes e seropositivos, clínicas e centros de saúde.

Este responsável queixa-se, entretanto, da falta de espaço "para a negociação" e da cada vez maior exigência de qualidade nos equipamentos e nos recursos humanos. Francisco Crespo concorda com a qualidade, mas pergunta: "Quem paga?" As famílias "já sobrecarregadas de impostos", os "mais desfavorecidos" ou os "desempregados", as instituições ou os seus trabalhadores? Por isso pede financiamento e tempo para apresentar documentação.

Sobre os trabalhadores das IPSS, disse o patriarca que esse é o problema: "Quem lhes paga as indemnizações, se os serviços forem extintos?" Mesmo admitindo a necessidade de respostas novas, o patriarca diz que "pode haver um vácuo" entre a desmobilização das estruturas da Igreja e a resposta plena do Estado nas diferentes áreas.

Citando o exemplo das instituições de ensino pré-escolar, afirmou: "Será um desperdício para a nação se não se integrar na rede pré-escolar o que nós temos." E rematou: "Já o disse a quem de direito." Em Julho, por causa do descontentamento dos responsáveis da Igreja em diversas áreas, o primeiro-ministro recebeu a presidência da Conferência Episcopal.

O patriarca insistiu na "confusão" entre as noções de público e privado: "As instituições da Igreja não existem com finalidade lucrativa. Não podem ser consideradas privadas, são de natureza pública. O Estado aceitou a Concordata, não para ser simpático com a Igreja, mas para potenciar o serviço da Igreja na sociedade. Essas instituições são um serviço público."

O padre Francisco Crespo acrescentou ainda ter "vergonha" de dizer onde mora, o Bairro da Liberdade (Serafina), em Lisboa. "Miséria, pobreza, escombros" é o quadro que o rodeia. "Há mais de 40 anos que ando a lutar com o Estado e a Câmara Municipal e não há ninguém que consiga resolver o problema. Como se podem educar aquelas crianças e aquela gente?", desabafou.

O director da Pastoral Social concorda com as exigências de qualidade da rede de apoio, mas pergunta: "Quem paga?"