19.3.09

Governos europeus criticam Bento XVI, Vaticano tenta emendar posição

António Marujo, in Jornal Público

Vários grupos católicos alinharam na condenação, enquanto diversas organizações internacionais foram muito críticas, chegando a exigir que o Papa retirasse a afirmação


Agências internacionais de luta contra a sida e governos europeus a criticar o Papa, a Espanha a enviar um milhão de preservativos para África, um responsável mundial a pedir a retirada das afirmações, grupos católicos a contestar as posições de Bento XVI. As declarações do Papa, anteontem, sobre o preservativo, motivaram uma chuva de críticas.

O director executivo do Fundo Mundial de Luta contra a Sida, Tuberculose e Paludismo, Michel Kazatchkine, exprimiu a sua "profunda indignação". Em declarações à rádio France Inter, citadas pela AFP, pediu ao Papa que retirasse as "inaceitáveis" declarações.

"Fazer estas declarações num continente onde vivem 70 por cento das pessoas infectadas pela sida é absolutamente inacreditável." Kazatchkine acrescentou esperar que a reacção dos cristãos leve a hierarquia católica a "tirar consequências".
Jon O'Bien, presidente do grupo norte-americano Catholics for Choice (Católicos pela Escolha), respondeu: as afirmações do Papa foram "irresponsáveis e perigosas". O mesmo grupo na África do Sul afirmou que os católicos "não concordam com a interdição do preservativo". O Papa afirmara na terça-feira, durante a viagem para os Camarões, que o preservativo não só não resolve o problema da sida como o "agrava".

Médicos do Mundo e outras organizações não-governamentais condenaram. O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros francês, Eric Chevalier, manifestou "viva inquietação". A ministra belga da Saúde, Laurette Onkelinx, mostrou-se "estupefacta" e "consternada".

Os ministérios alemães da Saúde e da Ajuda ao Desenvolvimento consideraram "irresponsável" a condenação do preservativo, sem mencionar directamente o Papa alemão.

Do Ministério da Saúde espanhol, sem comentário às declarações, veio o anúncio do envio breve de um milhão de preservativos para África. "O preservativo apresentou-se como um elemento necessário das políticas de prevenção e uma barreira eficaz contra o vírus", diz o texto.

Também o Programa das Nações Unidas para a Sida fez saber, em comunicado, que o preservativo é componente "essencial" contra a doença. Não há uma "medida mágica" para erradicar a epidemia, diz o texto, que enuncia outros factores: acesso à informação, tratamentos médicos, fidelidade, início mais tardio da actividade sexual, redução do número de parceiros e circuncisão masculina.

Tratamento grátis

Já depois de ter chegado a Yaoundé, capital dos Camarões, Bento XVI pediu que "os doentes de sida sejam gratuitamente tratados" - repetindo uma ideia que tem defendido e que o Vaticano apresenta em reuniões internacionais. Mas a polémica estava lançada e já ninguém ouviu esta frase.

Ontem, o porta-voz do Vaticano tentou compor os estragos: o Papa colocou "a tónica na educação para a responsabilidade", disse o padre jesuíta Federico Lombardi, citado pelas agências internacionais. "Não se deve esperar desta viagem uma mudança de posição da Igreja Católica" em relação à sida, acrescentou.

"Desenvolver uma ideologia de confiança no preservativo não é uma posição correcta", pois não sublinha o "sentido das responsabilidades", acrescentou. A Igreja Católica actua em três frentes, disse ainda: "A educação à responsabilidade da sexualidade e a afirmação dos valores do casamento e da família, o compromisso com tratamentos eficazes e a atenção aos doentes".

Não era o lugar e Lombardi também não o disse: em muitas instituições católicas de apoio a doentes de sida, o preservativo é distribuído. Em Maio, numa reunião de responsáveis em Roma, a missionária comboniana Maria Martinelli afirmou que, em muitas situações, "o preservativo é necessário". E muitos bispos africanos têm apoiado essa medida.