Idálio Revez, in Jornal Público
A Polónia já entrara em Portugal com a jovem modelo que promove a botija de gás. Mas agora, para atrair empresários portugueses ao Leste, aquele país oferece mão-de obra "barata e muito qualificada"
"Venha daí professora, é muito fixe!" A docente hesita: "Não tenho sapatilhas", desculpa-se, para não entrar na brincadeira pedagógica - educação para a prevenção rodoviária. Perante a insistência deste e de outros alunos, a directora do conselho executivo do agrupamento de escolas de Almancil acaba mesmo por se sentar, quase rente ao chão, a deslizar num carrinho de rolamentos. "Boa, boa", grita a rapaziada, na Escola EB 2,3 António Sousa Agostinho desta vila, situada perto da Quinta do Lago e Vale do Lobo. O ambiente é quase de festa, à saída para um período de férias da Páscoa. No átrio da escola, sobressai a imagem de um Algarve "Benetton" - multicultural, reflexo das novas comunidades.
Anda no ar um cheirinho a Primavera. Os trabalhadores da construção civil, romenos e ucranianos, confundem-se, nas ruas de Almancil, com turistas alemães ou ingleses, a caminho dos golfes da Quinta do Lago ou Vale do Lobo. Aparentemente, o que os distingue é a maneira de vestir e a forma - mais ou menos descontraída - quando se cruzam em ambientes hoteleiros. Na vila de Quarteira, a meia dúzia de quilómetros de distância, o quadro é idêntico, mas está a mudar. Chegaram os romenos, partem os angolanos.
"Tenho o coração dividido", diz António Alegre, um empresário da construção civil que veio do Huambo, nos anos 70, mas está "mortinho de saudades" para voltar à terra natal. Da equipa de 15 homens que emprega na construção, diz, "não tenho nenhum angolano, a maioria é dos países do Leste europeu". Os filhos nasceram em Quarteira, mas tencionam fazer carreira profissional em Angola - um rapaz, jogador de futebol, e uma rapariga, jurista.
Do Leste da Europa, a embaixadora da Polónia, Katarzyna Skorynska, terminou anteontem uma visita de dois dias ao Algarve. A acção teve por objectivo intensificar os investimentos portugueses naquele país. Nesse sentido, a diplomata apresentou como mais-valia empresarial o facto de aquele país possuir mão-de-obra "barata e muito qualificada".
Menina do gás
Por outro lado, coube ao conselheiro dos assuntos comerciais da embaixada, Krzysztof Gieranczyk, no decorrer da exibição de um filme promocional, mostrar como é que a Polónia já "conquistou" Portugal. "A modelo que promove a botija de gás da Galp é polaca." A imagem da rapariga loura, de longas pernas, surgiu no ecrã e a plateia, constituída maioritariamente por empresários, ficou de olho bem aberto. Comentando a diplomacia de negócios, vindo do Leste, António Alegre observa: "Já fui convidado a ir para lá [Polónia], mas faz muito frio". "O que eu gostava mesmo era de voltar para Angola, e ser treinador de futebol".
À entrada da Escola EB 2, 3 António de Sousa Agostinho, vendem-se legumes e hortaliças, da colheita da "casa", cultivados pelos alunos de jardinagem. Virgínia Palhares, ao passar junto à banca improvisada, aponta para as favas: "Comprei-as já descascadas, mas paguei mais caro". Os alunos riem, pela forma, a brincar, com que são abordados. Vanessa, de 12 anos, filha de mãe cabo-verdiana e pai guineense, pede para ser fotografada: "Quero ser manequim - sou magra, não sou?", pergunta, a justificar o seu gosto pelas passarelles. Porém, considera que esse objectivo não é uma profissão: "Gostaria era de ser veterinária". Nasceu no Algarve, mas alimenta esperança de "um dia" poder ir visitar os familiares à terra natal dos pais, "mas só para visitar", sublinha. Uma colega, de dez anos, relata o fascínio que sentiu, quando experimentou o jacuzzi do empreendimento onde trabalham os pais, cabo-verdianos.
Quebrar barreiras
Constantin, de 15 anos, moldavo, frequenta o curso de empregado de mesa. Veio para Portugal há quatro anos, seguindo a trajectória dos pais. A integração na comunidade portuguesa, diz, foi perfeita, tirando a dificuldade na aprendizagem da língua: "Vocês escrevem de uma maneira e falam de outra". Porém, com a ajuda de um patrício, que frequentava a mesma escola, acabou por vencer as barreiras linguísticas e as "dificuldades com a gramática". A responsável pela direcção da escola diz que existe a "preocupação de integrar os alunos estrangeiros na mesma turma", de forma a ultrapassar mais facilmente os obstáculos dos recém-chegados a uma nova sociedade.
Violência nas escolas? A directora do conselho executivo, Virgínia Palhares, responde: "Não temos aqui qualquer problema desse género - há uma perfeita integração". No entanto, admite que, no passado, - "quando os alunos andavam na escola até quase ir para a tropa" - já houve situações de alguma agressividade, "mas foi entre eles, os alunos - como é normal", acrescenta. Os cursos de profissionais, empregados de mesa e jardinagem, que dão direito a uma certificação profissional e equivalência ao 9.º ano, sublinha a professora, contribuíram para uma melhor inclusão na comunidade escolar. Já quanto à experiência de ter andado sentado num carrinho de rolamentos, observou: "Foi o recordar de velhos tempos". E como moeda de troca com o aluno que a desafiou a entrar na aventura, sugeriu que as lições de educação para a prevenção rodoviária fossem aplicadas, com fins pedagógicos, aos condutores que estacionam em cima do passeio, frente à escola. "Podemos cobrar dez euros, por mau estacionamento?", perguntou o estudante. "Não", respondeu a professora, a lembrar que a "multa" não entrava no programa.
Os alunos, nas escolas do ensino básico e secundário de Almancil, representam mais de duas dezenas de comunidades de imigrantes. A situação repete-se um pouco por toda a região, com maior incidência nas zonas turísticas, onde a construção civil tem particular significado no mercado de trabalho. Há cerca de duas décadas, a grande força da mão-de-obra na construção de estradas e habitações cabia aos cabo-verdianos. Agora, dominam os trabalhadores vindos do Leste. Em primeiro lugar, os romenos e os ucranianos, seguidos dos moldavos.
É pelo menos esta a ordem numérica, a julgar pela presença dos alunos nas escolas públicas à volta do Vale do Lobo e Quinta do Lago. De um total de 1246 alunos, 315 são filhos de imigrantes.
315 de um total de 1246 alunos que frequentam a Escola EB 2, 3 António de Sousa Agostinho, em Almancil, são filhos de imigrantes que trabalham na região, maioritariamente na construção civil.