24.3.09

Sem dinheiro para um prato de comida

Hugo Silva, in Jornal de Notícias

Cada vez há mais pessoas que recebem ajuda alimentar de várias instituições nas ruas da cidade


Há cada vez mais pessoas a pedir um prato de comida nas ruas do Porto. Aos sem-abrigo junta-se gente que nunca pensou ver-se em tal situação. Esta quarta-feira, a Misericórdia abre a Sopa da Noite, na Casa da Rua, em Duque de Loulé.

É uma forma de assinalar o segundo aniversário da entronização do bispo do Porto, D. Manuel Clemente, e de responder ao repto do próprio prelado. "Tem lançado sucessivos apelos à sociedade para que, nesta fase difícil, avance com acções concretas para minorar os problemas dos mais carenciados. Não podíamos ficar indiferentes", referiu Álvaro Rodrigues, mesário da Misericórdia. A Sopa da Noite funcionará todos os dias, das 21 às 22 horas.

No fundo, no fundo, tudo se resume a dar um prato de comida a quem pouco ou nada tem. O mesmo objectivo que une os voluntários que, todas as quarta-feiras, se reúnem no restaurante "Oriente no Porto". É dali, no coração do Centro Histórico, que parte a carrinha com ajuda alimentar. O auxílio passa em S. Bento, no Carregal, na Rua de Júlio Dinis e no Bairro do Aleixo. Pormenor: a comida é vegetariana. A iniciativa insere-se no projecto planetário "Food for Life", dinamizado pela Associação Internacional para a Consciência de Krishna.

"Gosto da comida vegetariana", sublinha Leonel Matos. Tem 50 anos e está há um mês no Porto. Está há um mês na rua. É de Estarreja, mas a empresa de construção onde trabalhava abriu falência e deixou-o sem perspectivas de futuro. Não é velho para a reforma, não é novo para os patrões.

"Não quero que a minha família me esteja a sustentar", sentencia Amadeu Sequeira, 38 anos. Deixou mulher e filhos, mas não consegue arranjar emprego. "Está muito difícil. Não me importava de ir para fora, mas isto está mau", repete, grato a quem chega para oferecer um prato de comida: "Se não fossem estas carrinhas, o que seria de nós? O pior é que nem todos sabem dar valor à ajuda e por causa de uns pagam os outros".

José António Quaresma é falador. Perdão: José António Mendes Quaresma é falador. Faz questão de dizer o nome completo. E faz questão que se escreva o nome completo. É lisboeta, mas 25 dos seus 26 anos foram passados no Porto. "Sou benfiquista!", alerta.

Não sabe ler, não sabe escrever e está com a mãe num barraco junto ao Lima 5. "Chove como na rua. E os ratos andam lá dentro", afirma, acrescentando que já tem um pedido de casa com 22 anos. Nunca obteve resposta, garante. A falta de habitação impede que o irmão, que está preso, possa usufruir de saídas precárias.

"É triste, muito triste. Queria aprender a ler e a escrever para ser alguém na vida. Queria ter uma casinha para viver com a minha mulher, que está grávida", desabafa José Quaresma, José António Mendes Quaresma.

"Já sei o que é comer num restaurante panorâmico, numa cidade entre a Suiça e a França, já sei o que é comer lá em cima na Torre Eiffel, em Paris, e agora sei o que é estar aqui a pedir um prato de comida", confessa um ex-operário têxtil, que prefere não dizer o nome. Mais uma vítima de uma falência. Está à espera da reforma, para conseguir endireitar a vida.

"Ultimamente vê-se cada vez mais gente na rua", confirmam os voluntários do "Food for Life", que desde Fevereiro de 2001 distribuem ajuda no Porto. "É uma situação que se verifica de há três anos para cá", observa Costa mendes, presidente dos Albergues Nocturnos do Porto. Nas duas casas de acolhimento de instituição há 82 pessoas. Todos os dias há mais sem-abrigo a bater à porta a pedir ajuda. A lotação está no limite. Joaquim Campos e Domingos Oliveira estão ali há vários anos. Se fossem obrigados a sair, a única alternativa era a rua. A mesma de onde foram resgatados.