Paula Rocha, in Jornal de Notícias
Voluntários vão diariamente para a rua paraalimentar os sem-abrigo, toxicodependentes e prostitutas
Florinhas do Vouga oferece, sete vezes por semana, uma refeição a quem, em muitos casos, vive na rua. Por noite, cerca de 25 pessoas procuram esta ajuda. "Ceia com calor" teve início em Dezembro de 2007 e mata a fome a muita gente.
Há 15 meses que é sempre assim. Quer chova ou faça sol, às 21 horas, todos os dias , as equipas de voluntários da Florinhas do Vouga (Instituição Particular de Solidariedade Social) levam a "ceia com calor" aos mais desfavorecidos da cidade de Aveiro. Na carrinha já estão os cestos com comida (pão e bolos) e os recipientes com leite quente, café e água para chá. Para muitos esta é a única refeição do dia.
Primeira paragem: estação ferroviária. Mal a carrinha pára e abre a porta da bagageira, começam a chegar as pessoas que habitualmente aceitam a ajuda da Florinhas do Vouga. A maioria é já conhecida da equipa de voluntários, mas há sempre caras novas que aparecem. Na última quinta-feira de cada mês a ronda cabe a quatro voluntárias: Teresa, Cátia, Fátima e Ondina. Já o fazem há algum tempo e, por isso, quem ali vai em busca de uma refeição quente já as trata como "amigas". "Quer leite com café e um bolinho", pergunta Fátima, enquanto vai servindo. A resposta é sempre afirmativa.
O primeiro a chegar foi o "senhor Mário", como lhe chamam, um "cliente" habitual. Enquanto pega no copo de leite e café quente, numa mão, e um bolo na outra, conta que recorre a esta ajuda por "não ter dinheiro para comer". "Muitas vezes também levo para o pequeno-almoço". Cortaram-lhe a reforma porque, diz, se esqueceu de entregar "uns papéis". "Perdi a minha família toda num acidente, não tenho ninguém e a minha vida não tem sido fácil", conta. Aos 67 anos vê-se obrigado a recorrer à instituição.
Francisco Vidal, 48 anos, já conhece o projecto "Ceia com calor" há meses. "Comecei a vir cá porque tenho problemas de saúde e o dinheiro que ganho da reforma, quase não chega para nada", diz. "Serve para aconchegar antes de dormir", acrescenta.
Nesta última quinta-feira de Março, na zona da Estação, foram atendidas 12 pessoas. Só duas eram caras novas. Carlos Mieiro, 53 anos, aparece de braço ao peito. Aceita um copo de leite com café e um croissant. Os 280 euros de reforma não chegam para tudo. Paga o quarto, a farmácia e sobra pouco. "Costumo ir almoçar a uma instituição, mas à noite eles não servem, por isso aproveito para vir aqui", conta, enquanto aceita mais um bolo para levar para casa.
Depois de mais de meia-hora na estação, é tempo de seguir para o Rossio. Aqui a realidade é diferente. A maioria das pessoas que vai à carrinha da Florinhas do Vouga é toxicodependente ou vive da prostituição. Mas aqui também há mais gente a procurar uma "ceia com calor". Foram 17 as pessoas que foram em busca de um copo de leite, um café ou um chá, sempre acompanhados de algo para comer.
Sandra Marques, assistente social da Florinhas do Vouga, explica que nestes 15 meses do projecto "Ceia com calor" serviram, em média, 25 refeições por noite. "O número de pessoas não varia muito, o que notamos é que as caras vão mudando. Algumas estão a ser acompanhadas por programas que os encaminham para um trabalho, por exemplo", explica a assistente social, esclarecendo ainda que "quase todos almoçam e jantam na nossa cozinha social".