Patrícia Jesus, in Diário de Notícias
O preconceito está a desaparecer e há cada vez mais lojas de roupa usada. Alguns clientes procuram roupa barata, outros peças de marca a preços acessíveis e outros ainda roupa de outras eras, que custa mais agora do que há 30 anos
Mercedes Lourenço aproveitou a hora de almoço para passar pela loja de roupa ao lado do trabalho. Nem sequer despiu a bata. Pega numas calças de ganga de 20 euros e confessa que são muito caras para a sua bolsa: "Sou divorciada, tenho dois filhos. Venho aqui à procura das coisas de um euro ou de 50 cêntimos", diz. E encontra: nesta loja da Humana, em Lisboa, há roupa usada e a preços baratos.
Mas o mercado da roupa em segunda mão não vive apenas de pessoas à procura de pechinchas. Até neste grande armazém que vende roupa doada, já há uma secção vintage. Cristina Chagas explica as diferenças: "Geralmente os nossos clientes, e são muitos, vêm à procura de roupa barata. Estas peças são um bocado mais caras e os compradores são mais jovens. Esta semana tivemos uma professora universitária que veio directamente do Porto", conta, enquanto mostra peças coloridas, mais velhas do que ela.
Foi para aproveitar esta tendência que Guilhermina Ruivo resolveu abrir a "Baú", uma loja de roupa em segunda mão em Campo de Ourique. "A ideia veio das minhas filhas, porque é um conceito muito popular lá fora e que em Portugal não se vê muito".
Começou em Outubro, com a roupa que recolheu em casa, junto de familiares e junto das amigas dos Rotários, já que parte das vendas reverte a favor do Movimento.
Através do passa palavra foi aparecendo mais roupa. "Há coisas que as pessoas deixaram de usar porque estão mais gordas ou mais magras ou foi uma compra por impulso e estão em casa a ocupar espaço, então trazem. Sempre fazem algum dinheiro. Mas qualquer coisa com mais de três anos só vale a pena se for muito especial", conta. O valor de cada peça é combinado conforme a marca e o estado da peça: metade fica para a loja e metade para o dono. A coisa mais estranha que já lhe tentaram deixar? Um vestido de noiva. "Quem é que me ia comprar aquilo?", diz.
Apesar do cartaz na montra com a expressão "segunda mão" , há muita gente que não se apercebe disso. "Há algumas pessoas, poucas, que quando se apercebem, abanam a cabeça e quase fogem da loja", conta. Mas a grande maioria acha piada ao conceito e à ideia de reaproveitar e reciclar roupa, assegura, acrescentando que o preconceito está a começar a desaparecer.
"As pessoas vêm sobretudo à procura de roupa de marca mais barata e de malas e acessórios", diz. A peça mais acessível que Guilhermina tem na loja é um top em crochet que custa um euro e a mais cara um casaco de Inverno que está marcado a 60 euros.
Na "Uza - Roupa de Criança como Nova", no Porto, há roupa desde um euro e um "bom casaco custa no máximo 15 euros", diz Márcia Pinto, a dona. A ideia de abrir a loja, concretizada em Junho passado, surgiu durante a segunda gravidez, quando andava a ver que roupa do primeiro filho podia aproveitar.
Nos últimos meses foi surpreendida pela procura: "Ainda há algum preconceito mas as pessoas têm aderido muito bem. Pensámos que iam ser sobretudo pessoas com baixos recursos mas enganámo-nos". E não vendem só roupa: "Um carro de bebé de uma marca boa que custe 600 euros aqui custa menos de metade. E temos pessoas que compram um e depois vêm cá entregar e levam outro quando o bebé cresce". Aliás, o mesmo acontece com a roupa. "Crescem tão depressa que até recebemos coisas com etiqueta que não foram usadas". E só compra peças em bom estado. Os fornecedores podem levar logo o dinheiro ou esperar pela venda e ganhar 25%de bónus.
Há ainda outro tipo de lojas de roupa em segunda-mão, como a "Outra Face da Lua" na Baixa de Lisboa, que apostam apenas nos artigos vintage, de outras épocas. Aqui, o que interessa aos clientes é sobretudo a originalidade e não o preço, e a procura também está a crescer.