Alfredo Leite, em Luanda, in Jornal de Notícias
Infectada com o VIH, é uma das cerca de 190 mil pessoas que contraíram a doença em Angola
Maria não vai estar esta sexta-feira de manhã no Aeroporto 4 de Fevereiro à espera do papa Bento XVI. Tão-pouco poderá estar sábado no estádio dos Coqueiros, também na capital angolana, Luanda, onde o Sumo Pontífice se reúne com os jovens. Maria (nome fictício) tem de cuidar sozinha da filha de três anos, que o pai abandonou depois de saber que tinha contraído a doença. Mas Maria, uma católica do bairro do Cazenga, gostaria de, ingenuamente, poder fazer o impossível: "Se pudesse estar perto do Papa era para lhe dizer que se tivesse usado preservativo durante o casamento não estaria aqui". Foi infectada pelo marido.
Maria tem um olhar triste. Como todos os olhares dos que, com ela, permanecem em silêncio na sala de espera do Hospital Esperança de Luanda, unidade criada em 2004, vocacionada essencialmente para o diagnóstico do VIH e respectiva terapia retroviral.
A história de Maria é demasiado vulgar neste pequeno mas acolhedor hospital onde chegam a ser diagnosticados, por dia, 25 a 30 novos casos da doença que, em Angola, segundo estimativas das Nações Unidas, já atinge cerca de 190 mil pessoas. "Eu estava grávida quando o meu marido abandonou a casa sem dizer nada", conta ao JN numa sala do Hospital Esperança. Desconfiada, decidiu fazer o teste. "Foi positivo. Não consegui falar direito durante vários dias, porque a minha preocupação era saber se a menina também estava infectada". Não estava. "Só pode ter sido um milagre de Deus", diz de mãos erguidas. Desde então, Maria só sobrevive graças aos retrovirais que recebe do "Esperança" e à manutenção de uma vida quase secreta. "Ninguém sabe que tenho VIH positivo. Nem a família, nem os amigos, ninguém", conta. Até porque "não suportaria ver as pessoas olharem para mim de outra forma e não quero voltar a pensar em suicídio, como aconteceu quando soube que tinha a doença".
"De facto, esta é uma doença que, por vezes, mexe mais com questões sociais do que a maioria das pessoas imagina", afirma a médica Ana Lídia. Clínica no Hospital Esperança desde a sua fundação, ela nota que, numa sociedade que vive tantas dificuldades como a angolana, ser descriminado por causa da doença quase sempre leva ao desemprego. "E daí até à rejeição familiar e ao suicídio é um passo pequeno". Igualmente católica, Ana Lídia é confrontada muitas vezes com convites da Igreja para participar em seminários sobre a problemática da sida em Angola. "Como católica, até posso perceber as posições de rejeição do uso do preservativo, mas como médica só o posso aconselhar", disse ao JN.
Graça (nome fictício) é menos cuidada nas palavras. A sua rede familiar e de emprego (é funcionária do Hospital Esperança) permitem-lhe radicalismos vedados a outros doentes. "Todo o meu círculo familiar e de amigos sabe que sou portadora da doença e, apesar de católica, tudo farei para demonstrar a hipocrisia do Papa nesta matéria". Porque, segundo afirma, num país onde a doença é transmitida esmagadoramente por via sexual, "se incentivássemos o uso do preservativo, salvávamos vidas. Ou o Papa não quer isso?".