Ana Cristina Pereira, in Jornal Público
Em dois anos, a percentagem de agregados com acordo de inserção passou de 48 para 87. Uns são "sérios", outros "simplistas, quase formulários", diz um sociólogo especializado na matéria
Nunca os beneficiários de Rendimento Social de Inserção (RSI) se submeteram a tantas acções para sair da pobreza extrema. Os acordos de inserção assinados têm qualidade? Como é que um sem-abrigo que assina um acordo de inserção em Novembro só por pressão exterior em Fevereiro deixa de dormir na rua? "O acordo obedece a uma lógica burocrática", avalia o sociólogo Eduardo Rodrigues, que viu "muitos chapa cinco" ao fazer doutoramento sobre esta medida.
O acordo de Luís Sousa (ver página ao lado) contempla três acções: acompanhamento psicossocial, melhoria das condições habitacionais, alfabetização. O Instituto de Segurança Social (ISS) responde pelas duas primeiras, a Direcção Regional de Educação do Norte pela terceira. Para Eduardo Rodrigues, neste exemplo, salta à vista "um erro crasso": "Se se procura uma habitação condigna, a entidade a mobilizar é a câmara." Este professor da Universidade do Porto até pode ler no apoio psicossocial um primeiro passo de captação do alcoólico para a saúde, mas julga que essa área deveria estar concretizada. E parece-lhe "ilógico" falar em alfabetização antes.
"Nalguns casos, é preciso que os primeiros objectivos não sejam muito ambiciosos", advoga o presidente do ISS, Edmundo Martinho. "Uma pessoa que está há anos na rua não consegue eliminar as barreiras de um momento para o outro." Ainda assim, "se a pessoa quiser sair da rua, o alojamento é prioritário". E não é o ISS que tem uma resposta definitiva.
Eduardo Rodrigues conhece "muitos planos sérios", mas também "muitos planos deste género: simplistas, quase formulários". "O problema é não haver um diagnóstico interdisciplinar", considera. Apesar de as equipas serem multidisciplinares, "cada técnico trata um número de processos: só os casos prementes são discutidos nas reuniões".
Na opinião do também presidente da concelhia do PS de Vila Nova de Gaia, "há excesso de peso burocrático [para despistar eventuais fraudes] e necessidade de cumprimento de objectivos": "As equipas andam aflitas para cumprir as metas e não há controlo de qualidade."
Fustigado pelos detractores do RSI, o Governo prometeu ter 90 por cento de famílias com acordo de inserção assinado até ao final de 2008. O salto foi enorme. Em Dezembro de 2004, só 21,3 por cento das famílias tinha acordo. No início de 2006, 48,7 por cento. Só que havia muito quem - como Maria do Carmo Tavares, representante da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses na comissão nacional de acompanhamento do RSI - desconfiasse do resultado: "Não há técnicos suficientes."
Está quase lá. Em Dezembro, estava nos 87. E isso, por si só, "é positivo", declara Edmundo Martinho. "Assinar um acordo transporta a pessoa de uma situação de dependência para uma posição de interlocutor." A meta, todavia, "não é só quantitativa". As pessoas "têm direito" a deixar de precisar do RSI.
Falta de motivação
Impedido de engordar a função pública, o ISS redinamizou a relação com instituições particulares de solidariedade social para que estas assumissem responsabilidades na inserção dos beneficiários. Desde Março de 2007, assinou 220 protocolos que representam "1402 técnicos" a acompanhar "36.026 famílias". No ano passado, foram "promovidas e frequentadas" 439.548 acções de inserção, o que significa quase o dobro do ano anterior (247.837). O ISS destaca as de apoio social (159.276), de saúde (121.542), de educação (70.965). Menor peso tiveram as de emprego (54.019), habitação (19.830), formação profissional (13.914).
A realidade mexeu, sobretudo nas zonas onde as IPSS entraram. Ainda há, porém, quem, como Francisco Crespo, responsável pela Pastoral Sócio-Caritativa do Patriarcado de Lisboa, não note grandes diferenças. "Muitos planos de inserção não se concretizam", corrobora Sandra Araújo, coordenadora técnica da Rede Europeia Antipobreza (REAPN)."Muitas pessoas não estão motivadas, frequentam cursos só para continuar a receber RSI."
Falta envolver mais os beneficiários, atender mais às suas necessidades e às do mercado da sua área de residência, sublinha Sandra Araújo. Eduardo Rodrigues traça o retrato: "Às vezes, os acordos são assinados depois de um único contacto de meia hora ou de uma hora. A pessoa pode assinar ou não assinar. Se não assinar, perde a prestação. Assina."
"Talvez o RSI se deva assumir mais como medida de inclusão social do que de inserção laboral, tarefa dificílima em tempo de crise", cogita Eduardo Rodrigues. Há muitas crianças que de outro modo não estariam na escola, lembra Maria do Carmo Tavares. E doentes crónicos que de outro modo não acederiam a medicamentos, torna Rodrigues. E estes são apenas dois exemplos do que o RSI pode fazer para aliviar a pobreza extrema. "A medida é boa, tem é de se prescindir desta lógica burocrática a que os técnicos estão agarrados", remata.
O número de beneficiários de Rendimento Social de Inserção (RSI) aumentou 13 por cento em 2008, atingindo os 352.288 em Dezembro. O Porto continuava a ser o distrito onde existiam mais beneficiários (120.509), seguido de Lisboa (54.713) e Setúbal (22.238). O valor médio da prestação atribuída era de 88,30 euros por pessoa.
352.288
O número de beneficiários de Rendimento Social de Inserção (RSI) aumentou 13 por cento em 2008, atingindo os 352.288 em Dezembro. O Porto continuava a ser o distrito onde existiam mais beneficiários (120.509), seguido de Lisboa (54.713) e Setúbal (22.238). O valor médio da prestação atribuída era de 88,30 euros por pessoa.