Por Cristina Ferreira, in Jornal Público
A estratégia de crescimento do crédito com base em financiamento internacional, sem recurso à poupança dos portugueses, torna agora o sector mais vulnerável à crise
Nos últimos anos, o sistema financeiro português apostou fortemente numa estratégia de concessão de crédito a clientes, contando com o fácil acesso aos mercados interbancários e de emissão de dívida e beneficiando das baixas taxas de juros internacionais. No final de 2009, mais de metade dos empréstimos estava sustentado em dívida contraída pelo sector maioritariamente junto de credores internacionais, o que, na actual situação de turbulência dos mercados, fragiliza as instituições.
Os dados referentes aos nove bancos analisados revelam, entre outras coisas, que o sector seguiu uma estratégia de concessão de crédito desajustada face à evolução das taxas de poupança dos portugueses e aos recursos que poderiam ser captados no país. Em Dezembro, a exposição pura ao risco de liquidez por parte da banca portuguesa, em condições normais de mercado, totalizava quase 100 mil milhões de euros, verba que resulta da diferença entre o crédito concedido a clientes, 290 mil milhões de euros, e os depósitos captados, 192 mil milhões de euros
A crise financeira mundial veio evidenciar o excesso de endividamento da banca portuguesa, o que constitui hoje um risco acrescido, tendo em conta a avaliação negativa que as agências de rating fazem da República e das dívidas emitidas pelos próprios bancos. Para sustentar a evolução do crédito dado às famílias e às empresas, e sem poupança interna, os bancos foram levantar fundos de 164 mil milhões de euros, um valor próximo do PIB nacional.
Parte da dívida total, 35,8 mil milhões de euros, foi contraída nos mercados interbancários e de curtíssimo prazo, um recurso que, em princípio, só deve ser usado de forma pontual, e não como fonte permanente de endividamento. Por outro lado, 106 mil milhões de euros resultam de emissão de títulos de dívida, cujo prazo em regra não excede os cinco anos, o que constitui um factor de estabilidade na origem dos fundos, ajudando a atenuar a tensão dos mercados.
Hoje a preocupação dos banqueiros é que os mercados acalmem de modo a assegurar que a renegociação ao longo dos próximos tempos decorra em condições de normalidade. Recorde-se que BES, BPI e BCP já garantiram que têm as suas necessidades de financiamento asseguradas (ou praticamente) ou até final do ano ou nos próximos doze meses. A seguir à crise, os bancos aproveitaram a oportunidade aberta pelo BCE, de os financiar a taxas favoráveis, mas mediante a entrega de activos líquidos como colaterais. Ainda esta semana a agência de notação Fitch veio dizer que o sector estava a reforçar as suas reservas de títulos para ir buscar liquidez ao BCE, isto para se salvaguardarem de eventuais dificuldades de financiamento no sector obrigacionista.
Uma análise mais detalhada aos números indica que o Santander Totta (215 por cento) e o BES (192 por cento) apresentam o maior desequilíbrio na relação crédito/depósitos. A média do sector é de 150 por cento (em 2000 era de 110 por cento). Em todo o caso, as contas do Santander Totta não podem ser vistas isoladamente, porque o banco beneficia de uma gestão de tesouraria internacional que lhe permite distribuir crédito utilizando esse instrumento como alavanca para o seu crescimento.
Já o BES tem revelado facilidade em levantar fundo no exterior. Em todo o caso, o desequilíbrio na relação crédito recurso está a criar uma situação de exposição que o torna mais vulnerável a qualquer crise que possa vir a ser despoletada.
No caso do BCP, parece pesar mais a dívida acumulada de curto prazo, de dez mil milhões de euros, o que pode indiciar ou uma diferente estratégia de gestão de tesouraria ou uma maior dificuldade em colocar dívida de médio e longo prazo.
Por seu lado, os indicadores do BPI traduzem que foi adoptada uma estratégia mais conservadora de expansão de mercado.
A CGD tem apresentado de forma consistente nos últimos dez anos um menor rácio de conversão de recursos em crédito (120 por cento), o que traduz uma posição mais favorável na atracção da poupança das famílias.
Mas os números revelam que não existiu por parte dos bancos uma preocupação em captar as poupanças dos portugueses, escapando a remunerar os depósitos de forma mais atractiva. A estratégia ajudaria agora a aliviar a pressão para a emissão de dívida, mas o pagamento de juros mais elevados teria implicado menos lucros para os bancos.
No actual quadro de turbulência que se regista à volta da dívida pública, a estratégia seguida de dar muito crédito, sem captar recursos e com recurso à dívida, não deixa a banca confortável. Se os mercados continuarem agitados e desconfiados sobre a evolução da economia portuguesa (e da sua capacidade para honrar os compromissos) os bancos poderão deparar-se com uma crise de liquidez que os pode colocar na iminência de incumprimento das dívidas de curto prazo por impossibilidade de fazer o revolvoling (renovação sucessiva das obrigações de curto prazo).