Célia Marques Azevedo, in Jornal de Notícias
Comissão lembra ter permitido enquadramento jurídico que leva para Lisboa dinheiro das regiões mais pobres
A Comissão vai enviar uma carta a Rui Rio onde diz que o desvio de fundos, pelo Governo, da região Norte para Lisboa é legal. A missiva responde a uma queixa que a Junta Metropolitana do Porto enviou a Bruxelas e onde acusa o Executivo de violar a lei base da União.
Numa carta que a Direcção-Geral de Política Regional da Comissão Europeia vai enviar ao presidente da Junta Metropolitana do Porto (JMP), esta semana - e à qual a eurodeputada do PSD Graça Carvalho teve acesso -, Bruxelas explica ter autorizado o desvio de fundos comunitários das três regiões mais pobres (Norte, Centro e Alentejo) para a capital.
Ao que o JN apurou, o Executivo comunitário considera que, quando negociou com o Governo português as regras de funcionamento do QREN, em 2007, autorizou este "enquadramento jurídico e legal". A medida ficou contemplada no anexo V do QREN, protegendo a transferência de verbas atribuídas às três regiões mais pobres para Lisboa.
A deslocação de fundos é feita ao abrigo de uma excepção específica do QREN português negociada pelo Governo com a Comissão Europeia, há três anos, com o objectivo de cobrir "necessidades específicas". No caso, colmatar o facto de Lisboa não ser considerada "pobre", por ter um rendimento per capita superior a 75% da média europeia, e não poder por isso receber dinheiro do Fundo de Coesão.
Queixa feita há mais de um ano
Em causa está uma queixa apresentada pela JMP à Comissão Europeia sobre a transferência de fundos comunitários atribuídos a regiões de convergência para a região de Lisboa (classificada nos padrões de Bruxelas como região de competitividade, ou seja, com um nível intermédio de riqueza).
O porta-voz do comissário dos Assuntos Regionais confirmou ao JN a preparação de uma carta dirigida à JMP, a enviar "muito em breve", onde está esplanada "a análise da Comissão" relativamente à relocalização de fundos comunitários, mas não divulgou as conclusões do Executivo comunitário.
Graça Carvalho, eurodeputada do PSD, conhece já o teor da carta que chegará em breve às mãos de Rui Rio. A antiga ministra da Ciência e Ensino Superior de Durão Barroso tem reservas sobre a resposta comunitária e, embora seja "legal e judicialmente correcto" o efeito de difusão (ou "spill over"), explicou, "é muito importante que haja uma análise e uma vigilância relativamente a esse efeito". Para Graça Carvalho, a Comissão Europeia "deveria exigir" que, para cada projecto, "Portugal justifique" os "termos" e "quanto vale" esse efeito de difusão.
Graça Carvalho tinha já em Outubro questionado a Comissão Europeia sobre a legitimidade da excepção negociada pelo Governo, explicando que esta vai "contra o princípio da coesão económica e social".
O efeito de difusão previsto no QREN podia, nos termos negociados, ser aplicado em três áreas: na inovação, na investigação e desenvolvimento e na modernização e formação da Administração Pública. Em Março, o Governo deixou cair a cláusula relativa à inovação, mas manteve as restantes.
A queixa da JMP foi interposta ao abrigo de um projecto-piloto comunitário, que segue uma nova metodologia para lidar com queixas de má utilização de fundos comunitários. Nesse âmbito, cabe às autoridades nacionais, em primeiro lugar, dar resposta à queixa em causa.