11.5.10

Carta da Grécia: às portas do abismo

por Jorge Mazias, in iInformação

O futuro é sombrio e o povo revolta-se, culpando os governantes. No entanto, na Grécia há poucos inocentes. Há muito que se sabia que viver acima das possibilidades ia acabar mal


Grécia sem graça. Ainda ninguém entende o que se passa e principalmente o que se vai passar neste país. Fala-se muito da crise, da UE e da possível bancarrota, diz-se que nos darão crédito para evitar a falência. Há dois meses, o governo anunciou medidas: o 14.o mês já se foi, os 57 anos da idade de reforma passam para os 67 no caso dos homens e para os 64 no caso das mulheres.

No princípio não se notou nada. Parecia que nos faltaria o dinheiro, mas ainda não se via nem se sentia a crise.

Agora, no entanto, o governo anunciou outras medidas: mais IVA, menos dinheiro para pagamento de reformas, as pensões sofrerão cortes até 20%, os cigarros custam mais 22%. No outro domingo um litro de gasolina custava 1,25 euros e hoje já custa 1,43. Passo a passo, vê-se que algo se passa. E que não é possível voltar atrás. Toda a gente está revoltada. Greves, manifestações, broncas, acusações, mortes até. Mas agora não se pode mudar nada. Sabemos que a vida será muito difícil. Saíamos três a quatro vezes por semana; agora sabemos que sairemos uma só e sem gastar muito. Os carros ficarão nas garagens. Temos de viver com menos dinheiro e com mais gastos. Porquê?

Agora toda a gente pede que os responsáveis vão para a cadeia. Mas quem são os responsáveis? Acusa-se o anterior governo e em teoria todos os anteriores governantes são responsáveis. Mas a justiça na Grécia demora muito e ainda não há acusados.

Seguramente o mais importante que os gregos querem saber é o que se vai passar agora. Não são 180 euros que se perderam por magia, são 180 mil milhões!

Muitos zeros de diferença!

Todos os dias olhamos para a TV e parece que chegou o Armagedão. Toda a Europa nos quer matar.

A crise verdadeiramente ainda não se nota. Ainda todos trabalham, não há lojas fechadas. Mas é certo que em breve se vai fazer sentir - estima-se que mais de 100 mil empresas de nível médio fecharão no próximo ano e meio.

Agora o governo calcula, corta e prepara modelos de salvação. O que muitas vezes não tomam em consideração, governos e FMI e agências diversas, é que por trás dos números existem pessoas - um elemento totalmente imprevisível, compatível apenas com o... caos. Nem me refiro ao vandalismo da semana passada que acabou com mortes em Atenas. Veremos o que se vai passar.

O grego médio não acordou de manhã para ficar de repente sem benefícios luxuosos, como alguns pensam. O Eurostat divulgou dados sobre os níveis de pobreza na União Europeia baseados nos rendimentos de 2008 e a Grécia apresentou a maior percentagem de trabalhadores que vivem na pobreza entre os países da zona euro, o que equivale a 14% em relação ao potencial produtivo de trabalhadores gregos com mais de 18 anos. A média da UE é de 8%. O Eurostat justifica esta conjuntura com salários muito baixos, o aumento do trabalho a tempo parcial e o elevado número de trabalhadores não-qualificados. Cerca de 20% dos gregos vivem abaixo da linha da pobreza, a quarta maior percentagem da União Europeia a 27, depois da Letónia, Roménia e Bulgária, só igualada pela Espanha na área do euro.

Mas é verdade que gastámos de mais. O total de empréstimos das famílias gregas é de cerca de 120 mil milhões, representando 50% do PIB. Nestes contam-se cerca de 81 mil milhões de empréstimos hipotecários e 36 mil milhões para consumo e cartões de crédito. Nesta base, a dívida média de cada uma dos 2,5 milhões de famílias é de 48 mil euros!

Incrível! Impossível!

Jornalista em Atenas

(Grécia)