12.5.10

Papa quer cristãos empenhados na economia e na política

António Marujo, in Jornal Público

Estiveram cerca de 80 a 100 mil pessoas na missa do Terreiro do Paço, em que o patriarca de Lisboa disse que a maioria católica não tira o lugar a ninguém


O Papa Bento XVI quer cristãos mais empenhados "no meio do mundo, na família, na cultura, na economia, na política" e menos preocupados com as "estruturas e programas eclesiais", onde se terá por vezes colocado uma "confiança excessiva". E pediu aos crentes que aprendam a reconhecer Cristo nos mais pobres.

Na missa que celebrou ontem, ao final da tarde, na Praça do Comércio, em Lisboa, Bento XVI tinha por cenário, por trás de si, o rio Tejo, onde dezenas de barcos completavam a festa. À sua frente, uma multidão calculada em 80 a 100 mil pessoas, segundo números da polícia citados pela Lusa. Uma multidão claramente entusiasmada com a presença do Papa, e que enchia os espaços adjacentes preparados pela organização - ruas Augusta, do Ouro e da Prata, Praça do Município, início da Avenida Infante D. Henrique.

"A prioridade pastoral hoje é fazer de cada mulher e homem cristão uma presença irradiante da perspectiva evangélica no meio do mundo, na família, na cultura, na economia, na política", afirmou o Papa, na sua homilia. E acrescentou: "Colocou-se uma confiança talvez excessiva nas estruturas e nos programas eclesiais, na distribuição de poderes e funções."

Por isso, pediu Bento XVI aos católicos, "é preciso voltar a anunciar com vigor e alegria o acontecimento da morte e ressurreição de Cristo, coração do cristianismo, fulcro e sustentáculo da nossa fé". Dirigindo-se, quase no final, especialmente aos jovens, o Papa pediu-lhes que estes descubram Jesus: "Aprendei a ouvir e a conhecer a sua palavra e também a reconhecê-lo nos pobres."

Pedindo aos católicos que participem com a sua identidade "cultural e religiosa" na construção da União Europeia, o Papa acrescentou que a fé é uma "alavanca poderosa" e um "vento impetuoso que varre qualquer medo e indecisão, qualquer dúvida e cálculo humano". E assegurou que "nenhuma força adversa pode destruir a Igreja", no que se pode ler uma alusão aos casos de pedofilia de alguns membros do clero, que tinha sido referido de modo explícito pelo Papa Ratzinger no avião que o trouxera de Roma.

Católicos não tiram lugar

Na sua homilia, Bento XVI referiu ainda, sobre a Igreja: "Sabemos que não lhe faltam filhos insubmissos e até rebeldes, mas é nos santos que a Igreja reconhece os seus traços característicos e, precisamente neles, saboreia a sua alegria mais profunda." E acrescentou que, na tradição eclesial, "Cristo não está a dois mil anos de distância, mas está realmente presente entre nós e dá-nos a verdade, dá-nos a luz que nos faz viver e encontrar a estrada para o futuro."

A presença do Tejo foi ainda o mote para Bento XVI elogiar o papel de tantos portugueses na evangelização. De Lisboa, disse, "partiram em grande número gerações e gerações de cristãos". "Glorioso é o lugar conquistado por Portugal entre as nações pelo serviço prestado à dilatação da fé: nas cinco partes do mundo, há Igrejas locais que tiveram origem na missionação portuguesa", acrescentou.

Bento XVI utilizou várias vezes a expressão "homens e mulheres", num reflexo de linguagem inclusiva pouco habitual na Igreja. Mas, momentos depois da homilia, a oração de consagração da missa foi feita em latim. E a comunhão foi dada pelo Papa a 35 pessoas seleccionadas, que tinham que se ajoelhar para o efeito, uma prática que já não é habitual na Igreja, mas que Bento XVI tem procurado manter.

Numa referência às chaves da cidade que o presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, lhe entregara antes do início da missa, o Papa dirigiu-se ainda à cidade: "Lisboa amiga, porto e abrigo de tantas esperanças que te confiava quem partia e pretendia quem te visitava, gostava hoje de usar as chaves que me entregas para alicerçar as tuas esperanças humanas na esperança divina."

A missa teve uma rara qualidade litúrgica e musical, nem sempre habitual na Igreja, para o que contribuiu o coro e orquestra de cerca de 300 cantores e instrumentistas.

Católicos não tiram lugar

No início da missa, foi a vez do cardeal-patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, saudar a presença do Papa na cidade, afirmando que "a maioria católica [do país] não tira o lugar a ninguém", no que foi sublinhado por aplausos.

Referindo que a cidade de Lisboa tem acolhido pessoas de diferentes culturas e religiões, ao longo da sua história, o patriarca acrescentou: "Muitos dos que chegam não são cristãos, praticam outras religiões. Também os acolhemos com amor."

A afirmação foi de novo saudada por aplausos da multidão concentrada na praça, que o patriarca referiu como "um dos locais mais belos" da cidade: "Os habitantes de Lisboa nascem e morrem envolvidos por esta beleza e atraídos pelo infinito." E habituaram-se "desde cedo a partir" e o Tejo foi "ponto de partida" e "porta de entrada".

O patriarca começara por afirmar que os portugueses sempre tiveram "um grande amor ao Papa, manifestado mesmo em épocas mais conturbadas da história".

No final da sua saudação, o patriarca ofereceu ao Papa uma "relíquia autêntica" de São Vicente, colocada numa peça de joalharia feita de propósito para o efeito. E, no fim da missa, o Papa recebeu ainda um presente alusivo ao Cristo-Rei, ao qual se referiu como "símbolo de paz".

Antes do início da missa, também representantes do Benfica (Nuno Gomes e Rui Costa), Sporting e Belenenses ofereceram camisolas dos respectivos clubes ao Papa Bento XVI. A camisola do Benfica tinha o nome Bento e o número 16 na dorsal.

"A prioridade pastoral hoje é fazer de cada mulher e homem cristão uma presença irradiante da perspectiva evangélica no meio do mundo", disse o Papa.