Lucília Tiago, in Jornal de Notícias
Descer o défice em mais um ponto percentual (para 7,3%) vai implicar a tomada de medidas adicionais além das já anunciadas. A subida do IVA é o cenário mais provável. Em causa estão 1,7 mil milhões de euros. O adiamento do TGV e do aeroporto pouco pesam.
De uma penada, o Governo travou dois projectos de grandes obras públicas - o TGV no troço Lisboa/Poceirão e o novo aeroporto - cujo custo total ultrapassa os cinco mil milhões de euros. Mas a decisão, anunciada primeiro por José Sócrates e ontem confirmada por António Mendonça, terá um impacto reduzido no défice, que o primeiro-ministro quer agora baixar não para os 8,3% previstos mas para 7,3% do PIB. Na prática, a redução de um ponto percentual equivale a 1,7 mil milhões de euros que terão de ser "encaixados" com cortes de despesa ou com mais receitas.
E isso implicará que o Governo tenha de avançar com mais medidas além das anunciadas e antecipadas para 2010, cujo impacto, pelos cálculos feitos pelo JN, não vai, pelo menos para já, além dos 600 milhões de euros. O cenário de uma subida do IVA está mais próximo e ganha força o recurso a uma medida mais drástica, como o corte parcial do 13.º mês.
A decisão do Governo em adiar algumas obras públicas foi bem recebida, ainda que surja na sequência de uma semana em que a pressão se foi acentuando e em que aumentaram os sinais do mercado de que o financiamento destes projectos não seria fácil nem barato. Mas a assinatura, ontem, do contrato do troço do TGV Poceirão-Caia, causou estranheza. Referindo-se ao impacto orçamental, António Mendonça disse que o contrato assinado representa uma "peça menor" no projecto e que não fazia sentido "voltar atrás". Já no outro troço do TGV e no novo aeroporto a "reponderação" justifica-se para "garantir que as opções tomadas são as melhores" e não são feitas em função de situações pontuais.
Críticas de ex-ministros
O ex-ministro das Finanças Eduardo Catroga faz uma leitura diferente e, ao JN, referiu que a assinatura daquele contrato sugere que o Governo está "a seguir a estratégia da sopa da pedra: adjudica um troço para depois dizer que tem de se fazer o resto e completar o projecto". Além de que esta atitude mostra "uma incoerência total" com o telefonema de José Sócrates a Pedro Passos Coelho. Ontem, o líder do PSD reafirmou a disponibilidade do seu partido para cooperar no combate ao défice, mas afirmou ser "muito pequena" a possibilidade de entendimento quanto ao crescimento.
Crítico sobre o "tempo e energia" que foi necessário gastar-se para o Governo tomar uma decisão que era "evidente", o ex-ministro das Finanças Bagão Félix considerou positivo que haja um objectivo mais ambicioso em termos de défice, mas adverte que não basta "enunciar, é preciso demonstrar".