Por Alberto Castro, in Jornal Público
Os jornais anunciavam que, a partir de hoje, o português médio começava a trabalhar para si. Até ontem, tudo o que ganhara era para o Estado. Puro engano! O Estado achou pouco e pôs-nos a trabalhar mais uns dias para ele. Impôs. Impostos. Daniel Bessa bem avisava: "A trajectória de redução do défice público tem de ser acelerada. E tem de começar a ser executada rapidamente. Vai doer? Vai, muito".
Valerá a pena? Não morreremos da cura? Depressa e bem há pouco quem. E nós já vamos atrasados. Compreende-se, assim, a ênfase nas receitas. Mas não se desculpa. Não há solução estrutural se não se tiver coragem de mexer nas despesas.
As medidas anunciadas vão penalizar a actividade económica. A inevitável retracção na procura interna tem de ser compensada. Sugestão óbvia: exportando mais. O que implica apoiar as empresas envolvidas nesses desafios. Podem ser mais apoios à internacionalização, um IRC ajustado ao peso do valor acrescentado da actividade no exterior ou outras medidas por que as empresas vêm clamando.
Espera-se o corte simbólico nos ordenados dos políticos seja uma forma de ganhar legitimidade para cortar onde e o que é preciso. Temos um esforço fiscal excessivo para o nosso nível de desenvolvimento. Pedem-nos que paguemos ainda mais. Não sendo masoquistas, digam-nos como pretendem aliviar a dor. Que tal começar por analisar os maiores abcessos? Quando cerca de três quartos da despesa primária resulta dos vencimentos dos funcionários públicos e de despesas sociais, não há como desviar o olhar. Deixo umas quantas perguntas: quanto vale hoje um emprego garantido? Quem está disposto a, na parte ou no todo, receber o 13º mês em títulos da dívida pública? No caso das pensões, não estamos a pagar desvarios passados? A solidariedade intergeracional só começa agora? Toca ou não a todos?
Universidade Católica Porto