Por Nuno Sá Lourenço, in Jornal Público
Ex-ministros das Finanças encontram-se com Cavaco, depois de Sócrates ter desistido de parte das obras públicas que criticavam
Nove antigos titulares das Finanças reúnem-se hoje com o Presidente da República para debater a situação económica e financeira do país. Estarão a conversar em Belém mas com o pensamento em São Bento, a residência do primeiro-ministro, de cuja política económica têm divergido. Exercer pressão sobre José Sócrates para este deixar cair os grandes investimentos, como o TGV e o novo aeroporto, era a agenda não dita do encontro.
Só que o encontro organizado por Medina Carreira, e que junta ainda Campos e Cunha, Miguel Beleza, Pina Moura, Bagão Félix, Eduardo Catroga, Ernâni Lopes, João Salgueiro e Manuela Ferreira Leite, acabou por ficar esvaziado com o anúncio, na sexta-feira à noite, em Bruxelas, pelo primeiro-ministro, do adiamento dos concursos para a adjudicação da terceira ponte sobre o Tejo e do aeroporto. Isto num momento em que Passos Coelho, líder do PSD, defende que há obras com concurso já aberto que devem ser revistas.
Ainda que o encontro não tenha efeitos práticos, poderá funcionar como um alerta, sugeriram alguns dos participantes ouvidos pelo PÚBLICO antes do anúncio de José Sócrates.
Campos e Cunha classifica-o como uma "acção cívica e nada mais", mas outros ex-ministros admitem que a intenção é agitar as águas. "Isto é uma tomada de posição para ver se ajudamos a sociedade portuguesa a perceber que estamos numa situação difícil", explica Medina Carreira.
E mesmo que Sócrates o venha a ignorar, Eduardo Catroga vê benefícios: "Se contribuirmos para a criação de um clima favorável para a redefinição de prioridades para a economia portuguesa, se contribuirmos para sensibilizar a população, então terá valido a pena."
Nem todos vão
Ainda assim, há quem veja a iniciativa como inócua. Braga de Macedo, que foi ministro das Finanças de Cavaco Silva, explicou ao Jornal de Negócios por que não ia: "Pensei que eram poucos e, como as minhas posições são conhecidas, não vi isto como tão sensacional." Tal como Braga de Macedo, não participam Silva Lopes, Miguel Cadilhe, Guilherme d"Oliveira Martins e Manuel Jacinto Nunes.
Já para Bagão Félix há virtudes no encontro. "É um grupo de pessoas livres, com suficiente capacidade de autonomia para não depender da política."
Ainda que avisando ser uma definição mais correcta para uma "conversa de café", Medina Carreira resume assim a situação: "Temos economia a menos para necessidades a mais." No discurso deste antigo responsável surge, no entanto, a ideia de que, apesar das dificuldades, existe uma saída. "Estamos perante uma situação muito difícil que podemos ultrapassar com medidas rápidas."
A posição de João Salgueiro é próxima. "A situação é muito séria, mas já passámos por várias e é possível sair por cima se houver coragem para tomar medidas determinadas." Salgueiro prefere destacar que o problema fundamental é a "falta de competitividade". "Se somarmos a isso estarmos a consumir mais do que produzimos", acrescenta, temos como resultado o "endividamento do país". Apresenta depois o "problema imediato": "Quando se deixa alimentar a desconfiança, tornam-se necessárias medidas prontas, que não têm sido tomadas."
Certo é que no encontro com o PR a questão das grandes obras públicas não será a única. "Temos dez grandes problemas e o dos grandes investimentos é apenas um deles", afirma Medina Carreira. Para este economista, esse até nem é o mais importante: "Se não se fizer, não complica, mas também não resolve."
A posição de Campos e Cunha é similar: "A situação económica e financeira ultrapassa e muito a questão dos investimentos." Para Bagão Félix, o tema do investimento público importa para perceber o que se pretende para o país. "Qual é o rumo que queremos traçar? Ter um TGV até Madrid ou ter melhores condições sociais daqui a 20 anos?"