Hugo Franco, in Expresso
Na Quinta do Loureiro e Mouraria, em Lisboa, e na Pasteleira, no Porto, disparou o consumo mas também a oferta da droga que veio ocupar o espaço que nos anos 90 pertencia à heroína. A PSP fala em redes de tráfico mais complexas e violentasA Mouraria e a Quinta do Loureiro são considerados pela PSP como dois dos piores bairros em Lisboa no que respeita ao tráfico e consumo de crack, embora haja outros também considerados preocupantes como Chelas ou o Portugal Novo.
Antes da pandemia, em cada três ‘bolsas’ [conjunto de várias doses] de cocaína apreendidas aos dealers, duas eram da crua [em pó] e uma cozida [crack]. Com o fim da covid-19, o crack igualou a coca com maior grau de pureza nas apreensões e nas duas últimas grandes operações policiais nos dois bairros, os agentes apanharam pela primeira vez mais coca cozida do que crua. “A procura pelo crack é tanta na Mouraria e no Loureiro que o preço de venda na rua subiu e já igualou o da cocaína tradicional”, confidencia uma fonte da PSP que conhece bem o fenómeno. Hoje é possível comprar uma ‘quarta’ (0,25 gramas) por 10 euros e uma ‘meia’ (0,50 gramas) por 20 euros de ambas as qualidades de cocaína. “É lucro em cima de lucro para o traficante que no crack coloca menos cocaína e mais produto de corte, usando substâncias mais aditivas e destrutivas para o consumidor”, acrescenta a mesma fonte.
Entre os traficantes há quem seja oriundo desses bairros mas também há muitos que são de outras zonas da cidade. Nestes casos, as redes forasteiras chegam a alugar bancas de droga ou casas de recuo [esconderijos para guardar a droga] aos ‘donos’ dos bairros trabalhando em sistemas de turnos com horários definidos, como se de uma empresa legal se tratasse. Mesmo entre rivais do negócio este sistema funciona quase sem percalços e de forma articulada. “Se tudo correr bem há ganhos mútuos de parte a parte”, diz esta fonte. Os da ‘casa’ ganham dinheiro pelo aluguer sem correrem riscos, os de fora conseguem vender a droga nestes ‘mercados’ com maior procura. Por vezes, auxiliam-se entre si, fornecendo ‘bolsas’ uns aos outros num sistema de empréstimo quando por exemplo um deles é alvo de uma rusga policial.
O à vontade entre muitos destes grupos é tão grande que muitos vendem a droga ou vigiam as entradas e saídas dos bairros sentados em cadeiras ou colocam portas blindadas em casas de recuo para retardar a entrada da polícia em rusgas. Às queixas dos moradores de que as autoridades nada fazem para acabar com este tráfico a céu aberto, a polícia responde que há muito trabalho de investigação que não é visível aos moradores. “Demora o seu tempo perceber todo o canal da droga: quem são os distribuidores, os vigias, as suas dinâmicas. Além disso, é preciso recolher o máximo de provas para que os traficantes apanhem penas efetivas e duras. Muitos voltam a ser colocados em liberdade pelos juízes de instrução por haver menos factos consolidados contra eles”, explica este PSP. Entre todo este cenário negro, há uma ponta de otimismo: nos últimos anos, a média de condenações contra os traficantes nestes dois bairros subiu e é hoje superior a cinco anos de prisão.
PASTELEIRA DOMINA TRÁFICO NO PORTO
O bairro da Pasteleira é o local onde o tráfico de crack é mais intenso no Porto. “Com a demolição do bairro do Aleixo na última década, o tráfico centralizou-se na Pasteleira e quase não há droga nos outros bairros da Invicta”, conta uma fonte policial.
Ao contrário do que acontece em Lisboa, o crack já tem um longo historial no Porto sobretudo entre os consumidores de longa duração e com pouco poder de compra. Mas tal como na capital, o consumo tem estado a aumentar, a par e passo com as apreensões da polícia daquela droga. Apesar de haver uma maior procura, os preços do crack não subiram como aconteceu em Lisboa. “Há muita procura mas também existe muita oferta desta droga”, confidencia a mesma fonte. As populares micro-doses de 0,10 gramas vendem-se a 5 euros enquanto um grama vale 30 euros nas ruas.
A Pasteleira é onde moram as mais importantes redes de distribuição e de venda desta droga no Norte do país, que têm ligações à Galiza, mas também ao resto de Espanha e até aos Países Baixos. “O conceito da rede familiar de há dez anos praticamente desapareceu. Estes grupos são hoje muito flexíveis, constituídos por pessoas vindas de fora do bairro. Muitas delas nem tocam na droga. Mantêm-se à distância a controlar o negócio”, frisa esta fonte. Para esconder a origem ilícita do tráfico, dedicam-se ao branqueamento de capitais já que um quilo de cocaína importada da América do Sul pode gerar rapidamente 100 mil euros de lucro.
“Fazemos por ano cerca de mil detenções na área do tráfico de droga. Podíamos fazer 1500 mas estamos a tentar conter o fenómeno”, acrescenta a mesma fonte. Mas por cada grupo detido, surge outro no seu lugar, tão ou mais poderoso. E eventualmente mais violento.
Pelos enormes lucros que gera, o tráfico do crack é cada vez mais constituído por grupos armados que se digladiam pelo controlo do seu território e não admitem passos em falso. Nos últimos dois anos, as ruas do Porto, mas também de Lisboa, têm sido alvo de alguns ajustes de contas que, em alguns casos, terminam com sangue. Um destes episódios ligados ao tráfico na Pasteleira deu-se no verão passado quando um jovem de 24 anos tentou matar três homens com uma shotgun. Um deles ficou ferido com gravidade enquanto os outros tiveram ferimentos ligeiros. “A maioria dos moradores do bairro sofre com este cenário de droga e de violência mas infelizmente há alguns deles coniventes com estas redes. O dinheiro que se pode ganhar é tentador.”