3.5.23

Bancos centrais fazem pausa nos juros em abril mas temem geopolítica e ganância patronal

Jorge Nascimento Rodrigues, in Expresso



Nas 36 decisões de política monetária tomadas em abril, em 25 optou-se por não mexer nos juros, havendo apenas 11 decisões de subida de juros. BCE lidera avisos para o efeito inflacionista das tensões geopolíticas e do aumento dos lucros das empresas


Em abril os bancos centrais optaram, em larga medida, por fazer uma pausa no ciclo de subida dos juros. Nas economias do G20 que realizaram reuniões de política monetária, apenas uma, a Argentina, numa situação muito frágil, decidiu aumentar a taxa diretora.

No conjunto das 36 reuniões de política monetária realizadas em abril, em 25 decidiu-se por não mexer nos juros e em várias sublinhou-se a opção política clara por optar por uma pausa - o que não significa, no entanto, o congelamento do ciclo altista dos juros. Em 70% dos casos, as autoridades monetárias não foram atrás da pressão dos ‘falcões’ e optaram pela necessidade de parar para avaliar os impactos negativos (risco de recessão, crise social em virtude do encarecimento do crédito) do ciclo de aperto monetário nas economias.

As decisões no sentido do aumento dos juros reduziram-se drasticamente de março para abril: desceram de 28 subidas para 11.

Recorde-se que três dos mais importantes bancos centrais, a Reserva Federal dos Estados Unidos, o Banco Central Europeu e o Banco de Inglaterra não realizaram reuniões em abril. As decisões estão agendadas para 3, 4 e 11 de maio, respetivamente. Entre as mais importantes economias emergentes, a 18 de maio reúne-se o Banco de México.


NOVE BANCOS CENTRAIS DO G20 FIZERAM PAUSA

Nove bancos centrais do G20 (grupo das maiores economias do mundo, desenvolvidas e emergentes) que realizaram reuniões de política monetária em abril decidiram não mexer nas taxas diretoras.

O Banco da Reserva da Austrália, o Banco do Canadá, o Banco Popular da China, o Banco da Coreia (do Sul), o Banco da Reserva da Índia, o Banco da Indonésia, o Banco do Japão (BoJ), o Banco da Rússia e o Banco Central da República da Turquia mantiveram os juros em abril. As autoridades monetárias da Austrália e do Canadá falaram expressamente da necessidade de uma pausa. O BoJ optou por manter a taxa negativa de -0,1% - a única do mundo - que lançou em 2016, mesmo tendo mudado este mês de governador.

Apenas um banco central do G20 subiu as taxas em abril, e fê-lo inclusive duas vezes no espaço de uma semana e de um modo drástico - o Banco Central da República Argentina. As autoridades monetárias argentinas aumentaram a taxa diretora a 20 e 27 de abril, com uma subida acumulada de 1300 pontos-base (13 pontos percentuais). A taxa diretora argentina subiu para 91%, a segunda mais alta do mundo, depois do Zimbabué (140%). A inflação argentina está acima de 100%.

No conjunto das economias desenvolvidas, em que se realizaram reuniões de política monetária, apenas os bancos centrais da Nova Zelândia e da Suécia decidiram aprovar aumentos de meio ponto percentual nos juros.

Nas economias emergentes e em desenvolvimento, registaram-se a maioria das decisões de aumento dos juros, com destaque para a Argentina, já referida, o Malawi com uma subida de 400 pontos-base (quatro pontos percentuais) e o Paquistão com um agravamento de 100 pontos-base (um ponto percentual). Cinco bancos centrais optaram por subidas moderadas de 25 pontos-base: Colômbia, Israel, Lesoto, Namíbia e Sérvia.


DUAS NOVAS AMEAÇAS: FRAGMENTAÇÃO GEOPOLÍTICA E GANÂNCIA EMPRESARIAL

A par dos fatores inflacionistas que têm monopolizado a atenção dos bancos centrais, ligados ao aquecimento da procura interna e às disrupções nas cadeias da oferta global, o Fundo Monetário Internacional (FMI), nas reuniões de primavera realizadas em abril, chamou a atenção para duas novas ameaças inflacionistas.

Primeiro, o risco de ‘fragmentação’ geopolítica com a emergência de blocos rivais e um recuo na globalização, acrescentando uma nova dinâmica de subida dos preços. Segundo, a dinâmica inflacionista provocada pela subida galopante dos lucros - o que já levou à criação de um neologismo em inglês, greedflation (junção de greed com inflation), a inflação gerada pela ganância (patronal). O economista-chefe do FMI, Pierre-Olivier Gourinchas, mencionou expressamente o problema na apresentação do World Economic Outlook.

Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu (BCE), e Philip Lane, economista-chefe da organização, surgiram na primeira linha do alerta sobre estas novas ameaças a um processo de desinflação (descida do ritmo da inflação).

A francesa que dirige o BCE retomou o tema da ‘fragmentação’, muito discutido nas reuniões do FMI, e dedicou a sua conferência no Council of Foreign Relations em Nova Iorque a 17 de abril para avisar que a divisão do mundo em blocos geopolíticos acarretará mais inflação, o que vai atrasar ainda mais qualquer expetativa de congelar a subida dos juros.

Os bancos centrais das economias desenvolvidas têm, agora, de incorporar nos seus cenários a transição geopolítica em curso: a consolidação de uma estratégia expansionista na frente europeia por parte da Rússia e a perceção de que a China encerrou o período de “paciência estratégica” (advogado por Deng Xiaoping, o líder chinês que iniciou o processo de reformas após a queda do maoismo) para iniciar uma fase de construção de uma coligação mundial alternativa à dominada pelos Estados Unidos.

O neologismo greedflation também preocupa o BCE. Segundo as atas da reunião de março do BCE, publicadas em abril, Lane alertou para o facto de que “o aumento nos lucros foi significativamente mais dinâmico” (do que os salários ou os impostos) no surto inflacionário.

Um artigo publicado no blogue do BCE, assinado por Óscar Arce, diretor-geral do BCE para a investigação económica, denunciava a lógica de “olho-por-olho” que está a ser posta em prática pelas empresas para arrecadar lucros extraordinários à custa da subida dos preços.

Uma análise publicada por Maeva Cousin, da Bloomberg Economics, revelava que, no último trimestre do ano passado, 69% da subida dos preços deve-se aos lucros, quando no final de 2019, antes da pandemia, o impacto era de 37%. Para o caso de Portugal, a Bloomberg Economics avança que, no final do ano passado, a dinâmica dos lucros influenciava 57,5% do surto inflacionista.