3.12.08

Desvio de apoios "ilegal" mesmo com acordo prévio

Carla Soares, in Jornal de Notícias

Canotilho e Manuel Porto refutam argumento do Governo de que negociou com Comissão


Os pareceres de Gomes Canotilho e Manuel Porto defendem que o desvio de fundos destinados a regiões mais pobres para Lisboa é ilegal, mesmo que tenha sido acordado com a Comissão Europeia, como argumenta o Governo.

Nos documentos, a que o JN teve acesso, concluiu-se pela "ilegalidade" da resolução do Conselho de Ministros que aprovou o Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN). E recomenda-se, em particular, a intervenção dos tribunais administrativos nacionais. Os pareceres foram acrescentados às queixas da Junta Metropolitana do Porto (JMP), uma delas no Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.

Os especialistas falam da "violação" de regras do direito comunitário. Em causa está, no anexo V do QREN, a excepção fixada pelo Governo que permite transferir fundos destinados às regiões de convergência (as menos desenvolvidas, como o Norte) para a de Lisboa e Vale do Tejo. Isto ao abrigo do efeito difusor" ou "spill-over effect" de projectos considerados de interesse nacional.

No parecer de Gomes Canotilho, lê-se que "o facto do Estado português ter 'negociado' com a Comissão o regime de excepção da elegibilidade das despesas com efeito spill-over não elimina a respectiva ilegalidade por violação das disposições imperativas do Regulamento Europeu".

O Ministério do Ambiente alega que a resolução "limita-se a validar politicamente na sede própria o documento QREN acordado entre as autoridades portuguesas e a Comissão". E que se trata de montantes reduzidos com aplicação limitada a dois programas.

O constitucionalista escreve que "a participação da Comissão na produção das soluções jurídicas nacionais deve ter precisamente uma função de prevenção e controlo de violação das disposições e princípios do Direito europeu, contudo, a concordância daquela entidade com estas soluções não tem força suficiente para neutralizar a ilegalidade, na medida em que a mesma intervém aqui a título de entidade administrativa". A Comissão, lembra, "está vinculada às normas de nível legal, não podendo dispor do respectivo conteúdo". Ainda segundo o mesmo parecer, a ilegalidade em causa, "fundada na violação de regras do direito europeu, pode ser apreciada pelos tribunais administrativos nacionais, uma vez que estes são, também, órgãos de controlo do Direito europeu".

Manuel Porto, outro catedrático de Coimbra, diz que, "pertencendo em exclusivo a competência legislativa ao Conselho, não se compreende que a Comissão possa alterar, ao aprovar os programas operacionais relativos a Portugal, princípios e regras estruturantes constantes dos regulamentos aplicáveis". É "uma ilegalidade patente", conclui, notando, no mesmo parecer, ser um "manifesto desvio de poder ou, quando não, violação do Tratado, a actuação da Comissão em desconformidade com o Regulamento".

No final, escreve que, "sem prejuízo de outras vias", se sigam as preconizadas no primeiro parecer pedido pela JMP, em Julho, sugerindo que a ilegalidade da actuação do Estado e da Comissão seja invocada no decurso de acções administrativas a propor em tribunal português. Isto para anular actos administrativos que, na implementação do QREN, aprovem projectos que envolvam o uso de verbas afectas às regiões de convergência para financiar despesas em Lisboa.