2.10.15

A nova configuração demográfica

António Mendes Pedro, in Público on-line

1. Um terço da população da Europa terá mais de 60 anos em 2050! E, por essa altura, a população migrante no mundo tenderá para os mil milhões! – É o que nos dizem as previsões da ONU.

Entretanto, nos dias que estamos a viver, a política dominante procura-nos impor o modelo do excesso de população, gerador de mais gente no desemprego e, com isso, de baixa de salários. Quem lucra é sobretudo a ultra-minoria capitalista dos 1% ,a qual fica a ganhar sempre mais e mais dinheiro!

Nesta lógica, o sistema capitalista põe as pessoas em competição desenfreada, no registo de ”todos contra um e um contra todos”. Nas empresas, os gestores insensíveis à intersubjectividade do trabalho, avaliam quantitativa e individualmente cada trabalhador, submetendo as pessoas às maiores exigências e ao mínimo controlo, usam o assédio moral da ameaça de desemprego, ou as condições do trabalho precário. Aos restantes trabalhadores em idade activa resta a condição sub-humana do desemprego, da culpa e da inferioridade. Em resultado desta desorganização do trabalho, cada pessoa, colocada diante da injustiça generalizada, fica isolada perante a indiferença dos outros, deixando, em quase todos, um rasto da infelicidade e facilitando a doença mental (hetero e auto-violência, descompensação psicótica e depressão) ou/e a doença somática (stresse, ansiedade e depressão com hipertensão e doença cardiovascular, com diabetes ou com obesidade).

Por isso, os clínicos e os psicoterapeutas – entre os quais me incluo – são confrontados, no seu trabalho diário, com as dificuldades interpessoais dos assalariados nos locais de trabalho! E o que hoje em dia as pessoas trazem para as consultas, não são tanto os problemas individuais no seio das famílias, mas sobretudo o sofrimento gerado nas condições laborais e que têm incidência grave nas relações familiares!

2. Neste contexto em que vivemos, o envolvimento solidário, emocional e cognitivo dos assalariados, capaz de criar a mudança, exige, mais do que revoltas passageiras, a criação de um novo paradigma relacional e mental, isto é, uma revolução de veludo.

É um erro continuarmos a querer crescer economicamente, como bem refere Georges Steiner. Uma sociedade não tem de aumentar indefinidamente os seus índices de riqueza! Nenhum de nós precisa de consumir objectos de luxo, como não precisa de comprar todos os anos um novo telemóvel, ou de em cada saldo comprar roupa para depois a deitar fora! A felicidade não está no desperdício, ou no “carro do povo”, um Volkswagen para cada pessoa, como proclamava o slogan hitleriano ao serviço dos capitalistas do regime nazi. O que precisamos para o nosso bem-estar é, por exemplo, de uma rede inteligente de transportes públicos em Lisboa, no Porto ou em Leiria, porque para viajarmos com lógica e a horas nestes que temos, precisaríamos de fazer cursos prévios!...

A população mundial não tem de continuar a crescer indefinidamente a um ritmo anual em espiral. Há 10 mil anos éramos um milhão na Terra. Há 200 anos éramos mil milhões e por volta do 25 de Abril já éramos cerca de 4 mil milhões. Hoje em 2015 somos 7 mil milhões e se não paramos de nos multiplicarmos antes de 2050 seremos mais de 10 mil milhões! Ora isso, mesmo com novos desenvolvimentos tecnológicos, só se conseguirá com fome e desemprego em larga escala, o que serve o tal grupo capitalista dos 1%, mas não serve os humanos, os quais precisam de estabilizar a população para se tornarem globalmente sustentáveis.

Temos de começar por algum lado e temos de pensar global, nós e os outros. A Índia terá daqui a 7 anos uma população de 1400 milhões igual à da China e estes dois países, com um terço da população mundial, são também aqueles onde há mais pobres! Mas, se nos voltarmos para nós, temos de reconhecer que na situação em que Portugal se encontra, não faz sentido o aumento da natalidade, proposto pelos partidos do chamado arco da governação. Como o Japão que vai reduzindo a sua população de 110 milhões para 90 milhões, o que é adequado para Portugal, com o solo que tem, é uma população de 8 milhões de habitantes, como mostram alguns estudos. De outro modo não haverá pão nem emprego para todos! E , mesmo no presente, o pão e o emprego só se conseguirão com a redistribuição dos rendimentos!

Potter, que criou a Bioética americana ,nos anos 70, como “ciência da sobrevivência humana” focava-se na questão “do tipo de futuro que teremos” e considerava a próxima geração como o nosso próximo. Porque se preocupava com “a assustadora taxa de nascimento e de crescimento populacional mundial”, Potter viajava no seu velho carro, ostentando as letras garrafais que nele pintou:- “Yes ZPG (Zero Population Growth)”, que significa “Sim, Crescimento Populacional Zero!” Era o visionário, perante a indiferença geral, a querer garantir o futuro da vida humana e das outras espécies no planeta terra!

O modelo à nossa medida de humanos é pois o do Desenvolvimento e não o do crescimento. Desenvolvimento ao longo de todo o ciclo de vida, em que todos, Novos e Seniores, possam trabalhar e criar, desenvolvendo as sua capacidades cognitivas e socio-emocionais. Implica isso, agora aqui em Portugal, a redução do horário de trabalho para uns e o aumento para outros.

O Desenvolvimento Psicológico, a que nos referimos, significa não o sermos muitos, mas termos relações de qualidade e de intimidade, com complementaridade nas relações amorosas, com estima mútua nas relações de amizade, com envolvimento positivo e tempo nas relações pais-filhos, com reconhecimento mútuo e empoderamento nas relações de trabalho.

Trata-se pois de um Desenvolvimento Social, o qual inclui a existência de equilíbrio entre o tempo de trabalho profissional e o tempo do lazer e da cultura. Hoje quem tem trabalho não tem tempo e quem tem tempo não tem trabalho! Como fazermos ,então, para continuarmos a ter amigos ou para usufruirmos de estarmos vivos? Desenvolvendo os laços sociais e políticos nas famílias, nas associações, nos grupos de interesses, nos partidos, isto é, sendo cidadãos activos que usam o poder da acção solidária voltada para o futuro, ao serviço de todos.

Psicanalista e Professor Universitário na UAL