27.1.09

72 mil despedimentos em apenas um dia nos Estados Unidos e Europa

Ana Rita Faria, in Jornal Público

A Caterpillar e a Pfizer lideraram ontem a vaga de demissões, dando sinais evidentes da crise profunda que domina a economia mundial


Não houve nenhum crash da bolsa, não estamos em 1929 e nem sequer foi uma quinta-feira, mas o dia de ontem bem poderia ficar conhecido como a segunda-feira negra. Em menos de 12 horas, sete empresas anunciaram cerca de 72.500 despedimentos na Europa e nos Estados Unidos, agudizando o panorama de crise económica mundial.

Num único dia apenas, a onda de despedimentos atingiu cerca de 15 por cento do número de empregos que se perderam nos EUA em todo o mês passado (cerca de meio milhão). Sinal de que o desemprego não vai parar de acelerar e que a crise atingiu em força as empresas, inclusive as maiores do mundo.

A Caterpillar, construtora norte-americana de bulldozers e escavadores, liderou a vaga de despedimentos, anunciando o corte de 20 mil postos de trabalho, depois de ter apresentado receitas mais baixas nos últimos três meses de 2008 e de temer ainda maior pressão sobre os lucros deste ano. Logo a seguir ficou a farmacêutica Pfizer (ver texto ao lado) que, ao comprar a concorrente Wyeth, deixou para trás um rasto de custos humanos: 19 mil trabalhadores das duas empresas vão perder os empregos.

Ao Financial Times Raymond Torres, director do instituto de pesquisa da Organização Internacional do Trabalho (OIT), garantiu que as empresas estão a despedir os trabalhadores mais rapidamente agora do que na recessão dos anos 90. "Entrámos num círculo vicioso de depressão, em que os despedimentos levam à queda do consumo, o que enfraquece a confiança do sector industrial, o que, por sua vez, leva a investimentos menores, resultando em mais perdas de empregos", sublinha.

Entre as empresas norte-americanas que ontem anunciaram despedimentos esteve também a Spring Nextel, terceira maior operadora móvel dos Estados Unidos, que vai cortar oito mil postos de trabalho, ou seja, 14 por cento da sua força laboral. Já o grupo de bricolage Home Depot decidiu suprimir sete mil empregos, no âmbito do encerramento das suas lojas Expo e da reestruturação do departamento de logística.

O último anúncio de despedimento nos Estados Unidos surgiu ontem já ao final da tarde, pela mão da General Motors. A maior fabricante automóvel do país revelou que vai despedir dois mil trabalhadores no território norte-americano, em mais uma das suas sucessivas tentativas desesperadas de cortar custos para sobreviver à queda da procura. A decisão teve eco na Europa, com a Fiat a avisar que os 60 mil empregos da indústria automóvel italiana estão em risco, se o sector não tiver ajuda do Governo.

Portugal não escapou


Na Europa, a onda de despedimentos rebentou com o grupo financeiro e segurador holandês ING a anunciar a demissão de sete mil dos seus 130 mil trabalhadores. A instituição, que continua a sofrer os efeitos do colapso do crédito de alto risco (subprime) nos Estados Unidos, fechou o ano passado com prejuízos de mil milhões de euros. Uma perda que custou ontem mais uma cabeça: a do presidente do ING, Michel Tilmant.

O susto com os prejuízos de 186 milhões de euros em 2008 levou também a Philips a suprimir seis mil empregos. A decisão do fabricante de electrónica holandês atingiu Portugal, visto que envolve o encerramento da sua unidade de controlos remotos, em Ovar, que emprega 70 pessoas.

Também o Reino Unido não ficou ontem imune aos despedimentos, com a Corus, o segundo maior fabricante de aço da Europa, a anunciar 3500 cortes de postos de trabalho. As encomendas da empresa detida pela indiana Tata caíram já mais de um terço devido à queda da procura de aço. As demissões ontem anunciadas pela Corus vão atingir sobretudo o Reino Unido, onde a empresa emprega 20 mil dos seus 41 mil funcionários.
Embora os números variem, os motivos por detrás da onda de despedimentos de ontem assemelham-se. À debilidade dos mercados internos soma-se o enfraquecimento das exportações, como resultado de um clima de recessão cada vez mais global. Além disso, o deteriorar do clima económico traduziu-se já para muitas empresas em resultados desanimadores nos últimos meses de 2008 e em previsões bastante tímidas ou até negativas para este ano.

A perder ficam outros resultados, os da taxa de desemprego, que tem disparado nos últimos meses. No EUA, o número de pessoas sem emprego atingiu em Dezembro os 7,2 por cento da população activa, ao passo que na Alemanha chega aos 7,6. No Reino Unido há já quase dois milhões de desempregados e, em Espanha, são mais de três milhões. A ver pelo dia de ontem, os números não vão parar de aumentar tão cedo.

20
mil foi o número recorde de despedimentos ontem, anunciados pela Caterpillar, devido à quebra nas receitas.