Rui Moreira, in Jornal Público
Esta semana participei com o presidente da CCDRN num debate sob o tema Do Norte preterido ao Norte de eleição - fazer da crise uma oportunidade. Carlos Lage é um homem invulgarmente culto, um político hábil e honesto que desempenha o cargo com competência, empenho e elevação. Desta vez, ao desafiar o Norte a reclamar o seu papel, dignidade e autonomia e ao garantir que merecemos uma democracia regional, Lage não se cingiu ao discurso de ocasião e insistiu que é fundamental apostar na regionalização, por ser a única via capaz de garantir ao Norte o poder e protagonismo que, mais tarde ou mais cedo, terão inevitáveis consequências na sua prosperidade. Partilho das suas preocupações, defendo que a regionalização é útil e urgente e discordo de quem diz que, pelo facto deste tema já ter sido muito falado, não vale a pena voltar a ele. O facto de as nossas queixas serem ignoradas só nos pode levar subir o tom da reclamação!
Ainda assim, e concordando com tudo o que Lage disse, receio que tenha acabado por ser o estraga-prazeres no debate, por defender que não podemos esperar pela regionalização para afirmarmos as nossas razões. Temo que a regionalização, que deve continuar a merecer todo o nosso empenho, seja uma miragem, dada a impossibilidade de desmontar a armadilha constitucional que obriga a um referendo. Mesmo que este se realize, como é defendido pela moção de Sócrates ao congresso do PS - e que por feliz e curiosa coincidência foi conhecida no dia seguinte a este debate e à proclamação de Lage - é incerto que o "sim" venha vingar. Será difícil conseguir o voto vinculativo a uma proposta à qual o Presidente da República e a líder da oposição se opõem tenazmente, e cujo apoio, por parte do PS, está longe de ser unânime. O que afirmei no debate é que, perante a correlação de forças e dada a crise que foca as nossas atenções nas aflições imediatas, receio que esta desejada reforma não ocorra, ou aconteça tarde de mais.
Em vez disso, e como temos eleições este ano, melhor seria que não nos deixássemos anestesiar por essa esperança e aproveitássemos este calendário para vincular os partidos a garantias reais e a compromissos, não apenas sobre a regionalização, mas também sobre políticas regionais. Aliás, estamos no momento certo e na circunstância que mais nos convém, porque até os que desdenhavam o modelo económico do Norte já admitem que Portugal só conseguirá sair da crise se e quando nossa região prosperar. Numa altura em que tanto se fala do desequilíbrio da nossa balança comercial, a nossa região é a única que tem uma balança comercial positiva, sendo responsável por quase 50 por cento das exportações nacionais e por uma percentagem ainda maior da produção de bens transaccionáveis.
Percebo que estas considerações sejam incómodas. Serei, porventura, um céptico, mas não basta que me digam que se deve referendar a regionalização. Na verdade, temos um dos governos mais centralistas da história recente, como se viu com a gestão centralizada do QREN e com a governamentalização da gestão do Metro do Porto, e como se pode ver também pela questão do aeroporto. É lícito desconfiar: por essa razão e porque, ao contrário do corajoso Lage e de alguns autarcas socialistas, a distrital do PS-Porto e os deputados da maioria, eleitos pelos círculos eleitorais do Norte, nada fizeram nem disseram de relevante, que se conheça, para contrariarem esses desígnios. Lutemos pois pela regionalização, mas sem perder a ocasião para interferir na balança do poder. É o que tem sido feito na Madeira e nos Açores, e o que também devemos fazer. Se usarmos o nosso peso eleitoral de forma eficaz, teremos a garantia de que, até se concretizar a democracia regional com que Lage sonha, influenciaremos as agendas dos partidos e seremos capazes de trocar alguns dos fracos protagonistas que nos reclamam o voto mas que apenas obedecem aos directórios, por gente com a coragem e a determinação do Presidente da CCDRN