28.1.09

Com banqueiros e músicos desaparecidos, sobram os políticos

Sérgio Aníbal, in Jornal Público

A crise económica mundial está a mudar o ambiente em Davos. Os grandes banqueiros mundiais, antes tratados como estrelas, arriscam-se agora a ser julgados


Em Davos, nos últimos anos, as surpresas já não eram muitas: as estrelas do cinema e da música defendiam mais ajuda para África e os grandes nomes da finança internacional, também tratados como estrelas, elogiavam os benefícios do liberalismo económico e da globalização. Este ano, nem uma coisa nem outra deverão acontecer.

As estrelas da edição de 2009 do encontro do Fórum Económico Mundial, que hoje se inicia em Davos, vão ser outras e a razão está no clima recessivo mundial e no aparente colapso do modo de funcionamento do sistema financeiro no mundo desenvolvido.

Perante um cenário deste tipo, as estrelas da música e do cinema parecem mais reticentes em surgir ao lado da "nata" dos líderes empresariais mundiais. Bono, uma presença constante nas últimas edições, fica desta vez em casa a preparar um novo álbum dos U2. E os banqueiros, para além de estarem ocupados a evitar a falência das suas instituições, parecem ter pouca vontade de participar num debate em que o tema principal será precisamente o falhanço da sua actividade nos últimos meses. Vikram Pandit, presidente executivo do Citigroup, já anunciou que não estará presente. John Thain, da Merrill Lynch, que estava previsto para várias intervenções, afinal não vai à Suíça, depois de ter sido retirado da chefia do banco de investimento. O Banco Goldman Sachs, conhecido pelas festas concorridas que organiza em Davos, anunciou que irá reduzir substancialmente a sua presença e não organizará qualquer evento particular.

Quem substitui os banqueiros em Davos? Os mesmos que os estão a substituir nos mercados financeiros: os políticos. A organização do encontro já anunciou que a participação de líderes políticos mundiais este ano irá bater um novo recorde, quase duplicando a do ano passado.

Gordon Brown, Vladimir Putin, Jean-Claude Trichet, Angela Merkel, Shimon Peres, Wen Jiabao são, para além dos portugueses Durão Barroso e António Guterres, algumas das figuras de Estado que deverão marcar presença em Davos até ao próximo domingo. As maiores ausências fazem-se sentir do lado da Administração Obama, que, acabada de tomar posse, deverá ser representada apenas pela conselheira Valerie Jarrett.

Mais regulação na agenda

Se os nomes fortes da equipa económica do novo Presidente norte-americano estivessem presentes, esta edição do encontro de Davos poderia tornar-se decisiva para a definição da nova arquitectura financeira internacional, até porque o tema central escolhido pela organização é "Definindo o Mundo Pós-crise".

Ainda assim, o debate nesta matéria promete ser intenso e muito diferente do de anos anteriores.

Há dois anos, ainda sem sinais de crise, não há registo de qualquer tipo de apelo a uma maior regulação. Há um ano, a crise do subprime já tinha rebentado e já se falava da necessidade de mudanças, mas o optimismo numa retoma relativamente rápida era ainda evidente, retraindo os apelos à mudança.

Agora, parece inevitável que uma maioria significativa dos participantes, habitualmente defensores de um sistema económico liberal, aceite a necessidade de mais regulação. Já no que diz respeito aos efeitos da globalização, não se esperam grandes mudanças. Os riscos de um aumento do proteccionismo devido à crise é, aliás, um dos temas marcados para debate.