Jorge Heitor, in Jornal Público
A organização afirma não ser suficiente um país respeitar os direitos humanos dentro das suas fronteiras sem usar os mesmos critérios nas relações com outros Estados
A Administração Obama deverá colocar os direitos humanos no âmago da sua política externa, interna e de segurança, se quiser remediar os "enormes estragos dos anos Bush". É esta a mensagem da Human Rights Watch (HRW) no seu Relatório Mundial de 2009, ontem distribuído por essa organização independente com sede em Nova Iorque.
A liderança dos Estados Unidos na promoção dos direitos humanos será vital, "porque actualmente a mais enérgica e organizada diplomacia do mundo é negativa no que diz respeito aos direitos humanos. É conduzida por nações que tentam evitar o escrutínio dos abusos cometidos por elas ou pelos seus aliados", diz a HRW, que tem como director executivo Kenneth Roth, antigo procurador federal em Nova Iorque e Washington.
A crise dos direitos humanos na Faixa de Gaza, onde "centenas de civis têm estado a morrer na luta entre Israel e o Hamas, sublinha a necessidade de uma atenção internacional centrada nos abusos que acompanham os conflitos armados da actualidade", afirma este relatório de 564 páginas, que sintetiza o que se passa em mais de 90 países, do Afeganistão à Colômbia e à República Democrática do Congo.
No ensaio com que abre este trabalho, Roth declara que o respeito que um Governo tem pelos direitos humanos não se mede só pela forma como trata o seu próprio povo mas também pelo modo como encara esses mesmos direitos nas suas relações com outros países: "A solidariedade entre governos do Sul é particularmente desanimadora em casos como o da Índia e da África do Sul, que são democracias que respeitam os direitos dos seus próprios povos, mas seguem uma política externa que sugere que outros não merecem direitos iguais. A solidariedade de bloco não deveria substituir-se à defesa dos valores mais fundamentais."
O director da HRW lamenta "a resposta do Governo sul-africano à crise no Zimbabwe. Pretória recusou elevar a voz contra a repressão" de Harare. E diz que o ex-Presidente Thabo Mbeki (que entretanto deixou o cargo) parecia mais estar a apoiar "um líder repressivo do que as suas vítimas".
Repreensão a Pretória
Tendo uma curta memória da sua própria luta contra o apartheid, prossegue este estudo, "o Governo sul-africano também virou as costas ao povo da Birmânia", opondo-se a que o Conselho de Segurança das Nações Unidas tome medidas relativamente a esse país.
Por oposição ao que faz a África do Sul, nota-se que o Botswana, a Libéria, a Nigéria, a Serra Leoa e a Zâmbia têm tentado levar a União Africana a condenar o Presidente Robert Mugabe.
Também se diz que o novo Governo do Paquistão ainda não traduziu a sua própria luta contra a ditadura de Pervez Musharraf em apoio a esforços semelhantes feitos noutros lugares. E destaca-se, por outro lado, que na América Latina os governos da Argentina, do Chile, da Costa Rica e do Uruguai têm apoiado iniciativas a favor dos direitos humanos, desde o Tribunal Penal Internacional ao Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas.
Da Rússia se afirma que muitas vezes actua nas instituições da ONU no sentido de proteger os seus aliados e de evitar o escrutínio das suas "práticas crescentemente repressivas", tendo resistido a tentativas de se aumentar a pressão sobre o Governo sudanês.
Quanto à Etiópia, observa-se que "tem um dos piores registos de direitos humanos na África"; e que as suas tropas recorreram à política de terra queimada para dominar rebeliões, tendo inclusive destruído aldeias na região de Ogaden, enquanto na Somália torturaram e executaram alegados partidários de grupos rebeldes.
No Médio Oriente, todos os governos ocidentais terão falhado na promoção dos direitos humanos: "Como a Arábia Saudita produz petróleo e é um aliado contra o terrorismo, nenhum governo ocidental desafia a sua falta de liberdades políticas e de sociedade civil; ou as suas graves restrições aos direitos das mulheres e dos migrantes." Da mesma forma, o Ocidente "procurou melhorar as relações com a Líbia, com poucas críticas ao seu lamentável registo de direitos humanos".
90
países são referidos na análise ao respeito pelos direitos humanos apresentada no relatório da HRW
Críticas à UE
Contraterrorismo, imigração e rejeição do Tratado de Lisboa
O processo de melhoria dos direitos humanos na União Europeia (UE) emperrou em Junho de 2008, quando a Irlanda rejeitou em referendo o Tratado de Lisboa, que faria da UE parte da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos, afirma o relatório da Human Rights Watch (HRW). "A UE e alguns dos seus membros continuam a tomar medidas de contraterrorismo que violam os direitos humanos", diz o documento, que neste campo especifica os casos da França, da Holanda e do Reino Unido.
"As políticas de migração e asilo continuam focadas em manter os migrantes irregulares, incluindo crianças, fora da UE e em expulsar os que se encontram presentes, em vez de garantir que os seus direitos sejam protegidos. Há incidentes e políticas racistas e xenófobas, afectando ciganos, judeus e muçulmanos, bem como migrantes, numa série de Estados", declara o estudo.