19.3.09

"O Porto tem a vantagem de nunca ter sido capital", defende o bispo D. Manuel Clemente

in Jornal de Notícias

O Bispo do Porto, D. Manuel Clemente, defendeu quarta-feira que "o Porto tem a vantagem de nunca ter sido capital, o que faz com que a cidade se garanta a si própria e dependa de si mesmo.

D. Manuel Clemente falou numa conferência sobre "A dinâmica da sociedade civil do Porto", integrada na série Olhares Cruzados Sobre o Porto e organizada pelo jornal Público e pela Universidade Católica.

O prelado teve a companhia de João Teixeira Lopes, o candidato do Bloco de Esquerda à Câmara Municipal do Porto nas próximas eleições autárquicas, que, no entanto, participou nesta iniciativa como "sociólogo e professor universitário".

"O Porto é o Porto e Lisboa é de quem a apanhar. O Porto é muito mais autodefinido do que Lisboa", resumiu D. Manuel Clemente, que, após esta caracterização abreviada, centrou a sua atenção nas questões sociais que hoje afligem não só a cidade mas toda a diocese que está sob a sua direcção.

Segundo D. Manuel Clemente, a Igreja está na primeira linha da luta contra a pobreza, graças a "uma rede de proximidade e vizinhança ímpar, porque são 477 paróquias, dezenas de instituições de solidariedade social e irmandades que têm obra social".

"Quando se falar em sociedade civil do Porto está-se a falar, e de que maneira, nas organizações católicas", reforçou, vincando uma ideia que João Teixeira Lopes subscreveu dizendo que "a Igreja tem aqui um papel fundamental".

O sociólogo frisou que "há no terreno instituições absolutamente essenciais", que procuram ajudar os que mais sofrem com a crise económico-social.

"A Igreja tem aqui um papel essencial, tal como as IPSS, o voluntariado ou o Banco Alimentar Contra a Fome", destacou João Teixeira Lopes, acrescentando que "se não fosse isso a cidade estaria numa situação de verdadeira catástrofe".

À entrada para esta conferência, o professor universitário sublinhou que "a pobreza no Porto e no distrito não tem qualquer tipo de paralelo com outra zona do país, a não ser com o interior mais deprimido".

João Teixeira Lopes justificou a sua opinião referindo que no Porto "existem 15 por cento de desempregados, 30 por cento de pobres e mais de 50 por cento dos beneficiários do rendimento social de inserção".

Para contrariar esta "crise social", argumentou, "é absolutamente essencial movimentar a sociedade civil e é preciso ir muito além dos partidos e criar uma rede imensa para salvar o distrito de uma situação que não tem paralelo na democracia portuguesa".

"O Porto pode sair desta crise profunda através de um cluster cultural e multimédia, trazendo desse modo emprego qualificado", sustentou, salientando, todavia, haver, algumas iniciativas interessantes, como o da "movida" artística da Rua de Miguel Bombarda proporcionada pelas várias galerias ali existentes.

O problema é o "despovoamento" que a cidade está a sofrer, pois "entre 2001 e 2009, o Porto perdeu 60 mil pessoas" e, de acordo com Teixeira Lopes, há um estudo que, mesmo no cenário mais optimista, indica que vai continuar a perder população nos próximos anos.

D. Manuel Clemente salientou, por seu lado, que "em toda a área da Diocese do Porto, o concelho mais envelhecido é o Porto".

O retrato não é muito animador, mas ainda assim o bispo realçou haver "uma rede de instituições que se mantêm, à espera de tempos melhores" e que o principal desafio hoje não são as respostas imediatas mas as respostas de longo prazo.

Esta ideia esteve muito presente na reunião que decorreu terça-feira, no Porto, com os representantes das 22 vigrarias da Diocese, informou D. Manuel Clemente.

"Nós estamos a dar ajudas imediatas, mas a nossa preocupação é a consequência que isso tem, como é que isso depois significa não apenas uma sopa dos pobres continuada, mas um pobre que deixa de ser pobre de comer e consegue reencaminhar a vida", referiu.

Neste "momento particularmente complexo que estamos a viver", D. Manuel Clemente acrescentou: "A dificuldade está passar do assistencialismo imediato para o projecto de promoção em que a pessoa reassuma o seu destino ou que o assuma pela primeira vez no sentido do trabalho e da dignidade que vem daí".

A solução para este problema passa por "estabelecer vizinhanças", promovendo assim um "sentido inclusivo dessas existências", o que não é fácil pois, segundo o historiador Gaspar Martins Pereira, presente entre o público, "a cidade está vazia", sendo por isso "mais fria".

O pior, segundo João Teixeira Lopes, é que "as desigualdades no Porto inscrevem-se no espaço como em poucas cidades europeias", apontando "os ghetos que se vão formando" e concluindo que esta é Uma cidade de muros".

Para Braga da Cruz, ex-ministro da Economia e antigo presidente da Comissão de Coordenação da Região Norte, que também assistiu a esta conferência, a pobreza combate-se também com "reabilitação urbana e reinserção social".

AYM.

Lusa/fim