Sérgio Aníbal, in Jornal Público
Crise é o resultado da "luta de classes contra os mais pobres" realizada pelo sistema financeiro norte-americano com a cumplicidade do poder político
Antes da crise, Joseph Stiglitz já era um dos grandes críticos das políticas económicas seguidas pelas administrações norte-americanas e pelas instituições de Bretton Woods e, agora que as suas previsões mais pessimistas se confirmaram, não está disposto a poupar nos adjectivos.
De visita a Portugal para participar nas Conferências do Estoril, o prémio Nobel de 2001 culpou o sector financeiro e a cumplicidade do sistema político pelo facto de a economia mundial estar agora a atravessar a maior crise das últimas décadas, sem uma melhoria rápida à vista. "Corrupção ao estilo americano", "luta de classes contra os mais pobres" e "depravação moral" foram algumas das expressões utilizadas para descrever o que se passou nos anos anteriores ao eclodir da crise.
Stiglitz descreveu a sequência de acontecimentos que nos trouxeram à actual situação. Começou por lembrar a forma como as instituições financeiras conseguiram convencer os políticos a desregular os mercados. Foi a "corrupção ao estilo americano", feita através de "contribuições milionárias para campanhas, de forma menos directa do que nos países em desenvolvimento e envolvendo montantes muito mais elevados". "Os bancos falharam muitos investimentos nos últimos anos, mas foram muito bons no investimento político. Apostaram nos dois partidos, à espera de retornos e conseguiram-nos", disse o economista norte-americano. Curiosamente, esta semana foram tornados públicos os apoios dados ao longo dos últimos anos pelas empresas responsáveis pelo subprime a vários candidatos a cargos políticos nos EUA.
Depois, acusou o sector financeiro norte-americano de, apoiado nas falhas de regulação, ter sido apenas inovador na forma como "retirou os lucros a outros sectores" e apostou numa "luta de classe contra os mais pobres". "Eles viam que havia dinheiro na base da pirâmide e decidiram tirá-lo de lá e trazê-lo para o topo, visando especialmente os mais pobres entre os pobres", disse, lembrando o funcionamento do mercado de crédito subprime.
Um comportamento deste tipo é, defende o economista, o resultado da
combinação de "incentivos errados" com a "divulgação de informação errada", falando igualmente de "depravação moral" nas instituições financeiras norte-americanas.
E quanto à ideia de que os mercados devem ser deixados livres de regulação para serem mais eficientes, considerou-a como acabada. "A doutrina de direita sobre a forma como funciona a economia de mercado falhou completamente. Aliás, para mim, como economista, isso sempre foi apenas uma ideologia, não um produto da ciência económica", disse.
Crise económica para durar
Agora que a crise está instalada, Joseph Stiglitz continua pessimista e muito crítico de algumas das opções políticas que têm vindo a ser tomadas.
O economista norte-americano minimizou a importância da recente melhoria de alguns indicadores económicos e das declarações de confiança dos responsáveis políticos, afirmando que "estamos apenas a passar de uma queda abrupta para uma recessão profunda". E traçou dois cenários para os próximos tempos, nenhum deles positivo. Um, que classificou de "optimista", é a entrada "numa doença ao estilo japonês", com bancos zombies e crescimento económico estagnado durante um período longo do tempo. A outra, "mais pessimista", é a eclosão de novas crises (relacionadas, por exemplo, com segmentos do mercado de crédito em dificuldades), que levem a economia a "regressar a uma queda livre".
O prémio Nobel diz que a melhor estratégia contra a crise passa por realizar mais investimento público, reforçar os apoios ao mercado hipotecário e deixar cair alguns bancos, para evitar que os contribuintes estejam a servir para premiar os excessos cometidos. Por isso, criticou a Administração Obama de estar a investir lentamente e em montantes insuficientes, ao mesmo tempo que cria bancos zombies, ainda maiores do que os que já existiam, agravando o problema de serem "demasiado grandes para falirem".
Stiglitz não gostou também de ver o Fundo Monetário Internacional, que sempre criticou pelas estratégias que impunha aos países em dificuldades, a ter os seus poderes reforçados. "Estamos a pôr a resolver a crise as mesmas pessoas que a ajudaram a criar, passando muitas das características do sector privado para o sector público", afirmou. Mesmo com o sistema financeiro que critica quase de joelhos, Joseph Stiglitz continua pessimista.