11.5.09

"Combate à crise exige humildade e pragmatismo"

in Jornal de Notícias

O agravamento da crise económica pode servir de arma eleitoral? Pode servir ao PS para dizer: mais vale confiar em quem já tem responsabilidades do que dar um salto no escuro?

Essa é uma visão muito benevolente das coisas. Tomemos o período 2005-2007. O que aconteceu? Vencemos a crise orçamental - baixámos o défice de 6,83% para 2,6%. Baixámos para um nível sem precedentes. No final de 2007, estávamos a crescer a 2% e tínhamos mais 135 mil postos de trabalho do que em 2005. Estávamos claramente em recuperação fazendo uma série de reformas modernizadoras do País.

Foi, então, traído pela crise.

Não se trata de ser traído. Mas de repente o que se abateu pelo mundo foi absolutamente inesperado. Nunca ninguém pensou que em 2008 iríamos enfrentar a maior crise económica, proveniente de uma crise financeira, desde a depressão de 1929. Dizer que isso favorece o Governo é difícil de aceitar. Se não tivéssemos tido essa crise internacional estaríamos agora numa situação sem dúvida mais confortável. Mas não adianta pensar nisso. O importante é que os portugueses sabem o que é a nossa liderança em tempos de crise. O nosso caminho está definido: apoiar as empresas e o emprego; proteger as famílias e acentuar a componente social das políticas públicas; promover mais investimento público.

O investimento público de menor dimensão substitui o de maior dimensão ou o de maior dimensão foi adiado?

Em todo o mundo os governos estão à procura de pacotes de investimento. É uma corrida contra o tempo. Temos de o fazer este ano e no próximo. Os problemas existem agora. Ninguém duvida que mais tarde ou mais cedo teríamos de fazer a auto-estrada para Bragança. Condenar uma região ao isolamento não é alternativa disponível. Mas queremos fazê-la agora porque este investimento é indiscutível para a modernização do País, para a coesão territorial, tal como é essencial para a dinamização da economia e para a criação de emprego.

O PSD acusa o Governo de hipotecar o futuro dos jovens, que a longo prazo vão ter de pagar esses investimentos.

O que hipotecaria o futuro das novas gerações seria nada fazer para modernizar o País neste momento. Sou de uma geração que nunca se queixou das anteriores por terem feito demais. Se de alguma coisa me posso queixar é de terem deixado poucas oportunidades às novas gerações. O que estamos a fazer é para responder aos problemas do País neste momento e no futuro. É agora que as pessoas precisam de ajuda, não em 2011 ou 2012. Há empresas a fechar que precisam de contratos; há portugueses que precisam de emprego. O investimento público é neste momento a melhor forma de promover a recuperação económica e de criar emprego. Não se trata de ter mais ou menos Estado; é pura economia.

Está preocupado com o aumento do endividamento externo? Recentemente, o Presidente da República chamou a atenção para isso.

Estou preocupado com a recuperação económica. Essa é a minha prioridade. O endividamento externo é um mal crónico do País; não é de agora. Demos contributos para o reduzir. Baixámos o défice orçamental e fomos dos poucos países da Europa que o mantiveram ao mesmo nível entre 2007 e 2008. Vamos agora aumentá-lo, como o estão a fazer todos os países desenvolvidos, porque temos de fazer mais investimento público. Por outro lado, fizemos o maior investimento na área que é o nosso principal problema em termos de endividamento externo: a energia. Metade do endividamento externo deve-se ao petróleo. Por isso subiu tanto em 2008 - o preço, em Junho, era de 147 dólares. Nunca como agora se investiu tanto em energia hídrica e em energia eólica. É essa aposta no vento e na água que pode propiciar a Portugal maior autonomia relativamente ao petróleo.

Vão ser necessárias mais medidas para combater a crise? As previsões económicas têm sido cada vez mais pessimistas…

Sim, todos estão a rever; não apenas o Governo.

O Governo tem insistido que as medidas tomadas são suficientes.

É um pouco diferente. O Governo tem dito que a prioridade é executar as medidas. Decidimos as medidas em Janeiro; temos de as executar.

Foram decididas em função de previsões entretanto revistas.

É certo. Todavia, quando se apresenta um plano há sempre dois aspectos: a concepção e a execução. Executar por vezes é mais difícil do que conceber. Recordo o nosso plano. Primeiro: mais investimento público, em escolas, energia, rede infra-estrutural tecnológica e modernização de infra-estruturas rodoviárias e TGV. Basicamente é aí que vamos reforçar o investimento...

Inclui o aeroporto, não? Ou há aí um lapsus linguae?

Não, não há. Incluo o aeroporto. Simplesmente, a realização física do aeroporto não vai ter efeitos nem em 2009, nem em 2010. Vamos lançar agora o concurso. Se conseguirmos adjudicá-lo em 2010 já será positivo. Depois, é preciso ainda fazer o projecto. O investimento público está a correr bem. Em termos de escolas, teremos na próxima semana as primeiras escolas adjudicadas, depois de termos decidido a antecipação para este ano da requalificação de secundárias. No que diz respeito às barragens, temos criado um caminho muito positivo. Mas é preciso cuidar da execução as medidas. Conhecem as 12 medidas na área do emprego? Há muita gente que está hoje a trabalhar por causa delas. O desemprego seria muito superior se não tivéssemos tomado medidas.

O Governo não tomará então novas medidas enquanto não avaliar as que entretanto adoptou.

É de facto assim. Como se conduzem as políticas públicas neste momento? Com abertura mental, porque queremos boas soluções que produzam bons resultados. É importante que os políticos não fiquem presos a cartilhas do passado.

O combate à crise exige pragmatismo, é isso que diz?

Pragmatismo. Exige que não estejamos a aplicar qualquer receita conhecida, pela simples razão de que não há nenhum político no activo que tenha passado por uma situação destas. Temos de ser humildes, mas humilde não significa medo de tomar decisões, significa que sempre que tomemos uma medida, se não resultar avancemos com outra; tentemos de novo. É preciso ter a humildade de reconhecer que o nosso plano de há quatro meses não abarcava todas as áreas. Dou um exemplo: recentemente tomámos a decisão de dar um apoio às famílias mais carenciadas, em particular idosos com rendimentos abaixo do salário mínimo. O Estado vai comparticipar integralmente os seus medicamentos. Fizemo-lo por termos chegado à conclusão de que aí estava um problema social a crescer, porque algumas famílias não podiam ajudar os seus idosos como ajudavam antes. Detectámos alguns sinais de escolhas dramáticas que as pessoas tinham de fazer entre medicamentos e outras despesas. Essa atitude de humildade, mantê-la-emos.

Vai haver orçamento rectificativo?

Neste momento, não há razão para o fazermos, pela simples razão de que a despesa está controlada - a de Abril está, aliás, abaixo dos padrões de segurança. O que afectou o Orçamento foi apenas a diminuição das receitas, em consequência do abrandamento da actividade económica.

Se tiver de fazer um orçamento rectificativo encara essa opção como uma derrota política?

Encararia como uma derrota política se o tivesse de fazer em anos normais. Em três anos de Governo, nunca fizemos um orçamento rectificativo. Fizemo-lo só em 2005, para rectificar o que herdámos. A partir daí não foi necessária, porque conduzimos uma política de grande rigor, principalmente na despesa.

Contesta a crítica segundo a qual o Governo não foi eficaz no combate à despesa pública, portanto.

Isso não tem a mínima correspondência com a realidade. Fizemos uma consolidação orçamental quer do lado da receita quer do lado da despesa. São números objectivos. O que está a acontecer em 2009, em todos os países, é a quebra da receita fiscal, em função da diminuição da actividade económica, que tem impacto imediato sobre o IVA e o IRC.

O que se depreende das palavras do ministro das Finanças é que haverá um orçamento rectificativo, embora este não seja o momento oportuno para falar disso.

A Assembleia da República dá autorização ao Governo para um limite de endividamento e para uma despesa. Ora não temos necessidade de a ultrapassar. A despesa está controlada. Aí, não há nenhum problema. E neste momento não temos qualquer indicação de ultrapassagem dos limites de endividamento. Se tivermos esses sinais, faremos um orçamento rectificativo.

Na eventualidade de se avançar para um orçamento rectificativo, coloca a hipótese de aumento de receita, através do aumento da carga fiscal?

Não. Era só o que faltava! Numa altura em que país enfrenta uma crise destas, acha que proporia aumentar os impostos? Se pudesse, até desceria mais os impostos, para que as empresas pudessem ter melhores condições. Baixámos o que pudemos. Os portugueses também querem que, mal esteja ultrapassada esta crise, possamos voltar a uma situação estável.

Que sinal de esperança pode dar aos portugueses se nos últimos anos lhes foram pedidos sacrifícios no sentido de combater o défice, agora atravessamos uma crise e nos próximos anos, certamente, vão ser necessários novos sacrifícios, no sentido de reduzir uma vez mais os valores do défice?

Não me parece que seja assim. O défice será reduzido com estabilizadores automáticos, não é preciso pedir sacrifícios especiais a ninguém. Se a nossa economia começar a recuperar, aumentam as receitas fiscais.

Pela maneira como aborda a questão, parece que não depende de intervenção dos governos…

O estabilizador automático é um termo técnico. As contas públicas são afectadas automaticamente pela actividade económica. Por isso disse que não me parece que haja necessidade de apelo a sacrifícios no futuro.

Quando o défice atingiu o valor alto de 2005, foi necessário pedir sacrifícios, para pôr as contas em ordem.

Esse movimento de consolidação das contas públicas foi ditado pelas reformas estruturais. Foi necessário aumentar os impostos e fazer reformas que contivessem a despesa. Agora, o défice sobe apenas por razões conjunturais da economia. No momento em que a economia recuperar, automaticamente o défice baixará. É disso que estou convencido. O melhor contributo que demos para a consolidação das contas públicas foram as reformas estruturais que fizemos na Segurança Social e na Administração Pública. Recordo apenas que os funcionários públicos se reformam agora com a mesma idade dos privados; que o cálculo das pensões é baseado em toda a carreira contributiva e que a esperança de vida passou a contar para o cálculo da reforma. Estas mudanças deram sustentabilidade à segurança social e tiraram Portugal do grupo de países com a segurança social em situação de alto risco. O mesmo na Administração Pública: o Simplex, a avaliação de desempenho, a racionalização dos serviços, que nos permite ter hoje menos funcionários do que em 2005, foram mudanças que trouxeram à Administração Pública modernidade e eficiência. Estas duas reformas estruturais permitiram controlar as duas áreas que mais contribuíam para o crescimento exponencial da despesa pública. Por isso estamos hoje em melhores condições de, assim que a crise passar, o défice retomar uma trajectória de consolidação.