8.5.09

Consumo: De bicho papão a tábua de salvação

Alexandra Figueira, in Jornal de Notícias

Folga financeira decorrente da descida dos juros pode ajudar a economia a sair do buraco


Até há bem pouco tempo, as famílias eram acusadas de viver acima das possibilidades; agora, é-lhes pedido que peguem no dinheiro extra resultante da descida das prestações ao banco e subam ou, quando muito, não reduzam o consumo.

Das finanças pessoais de cada um, cada um saberá. Mas para quem pode e sente confiança no futuro, o ideal é continuar a consumir tanto quanto há meio ano. Ou até aumentar um pouco. A opinião é unânime entre os economistas contactados pelo JN: o dinheiro poupado com a descida das prestações no credito à habitação - ontem o Banco Central Europeu voltou a descer a taxa directora para um histírico 1% - pode ajudar as empresas e economia.

É certo que, há apenas seis meses, as famílias eram criticadas por consumirem a mais (e de se endividarem em excesso) e pouparem a menos. Este é um problema estrutural da economia portuguesa desenhado pelo professor João Loureiro, da Faculdade de Economia do Porto, e que continuará a ter que ser resolvido.

Mas não de imediato. Por agora, a recessão trouxe outra prioridade: ajudar as empresas a sair da crise e a parar com os despedimentos de trabalhadores. Para isso, as pessoas têm que ir às compras, diz João Carvalho das Neves, docente no ISEG. "As taxas de juro têm baixado para ajudar as empresas a investir, mas sem procura não há incentivo ao investimento", disse.

Comprar sim, mas não de olhos fechados. "O consumo de bens importados desajuda", disse João Duque, também professor universitário. Ou seja, gastar o rendimento dos portugueses em produtos cujos lucros vão parar a empresas de outros países em nada ajuda a manter postos de trabalho em Portugal, acrescentou João Loureiro.

Estas recomendações, contudo, não são uma carta branca para dar uso ao cartão de crédito: as famílias já estão demasiado endividadas, pelo que o melhor é comprar, sim, mas não a crédito, salientou Jorge Santos, docente no ISEG. "As famílias com recursos adicionais e que não tenham reduzido o consumo nos últimos meses devem aproveitar o excedente para poupar", defendeu. E numa altura de recessão profunda, como a actual, "qualquer retoma de consumo (pelas famílias) ou de investimento (pelas empresas) é favorável", acrescentou.

Ou seja, resumiu João Duque, "precisamos de poupar a longo prazo, mas de consumir no imediato". Desde que "made in Portugal", ressalvou João Loureiro.

Em circunstâncias normais, taxas de juro tão baixas quanto as actuais ajudam as famílias e empresas endividadas a suportar as prestações, mas não as incentivam a poupar. Mas nos tempos que correm, não é pela remuneração que as pessoas fazem depósitos a prazo ou investem em fundos, mas sim para terem um "pé de meia" contra os dias piores que poderão vir, lembrou João Carvalho das Neves. Não é de esperar, por isso, que os juros tão baixos sejam um entrave à poupança, pelo menos por agora.

O maior problema de ter juros a um nível tão baixo é a possibilidade de assim se tirar ao Banco Central Europeu capacidade de intervenção no mercado. Sobretudo numa altura em que a inflação continua a cair e pode descambar em deflação, ou seja, na descida sustentada e generalizada dos preços, disse João Duque. Isso leva as pessoas a adiar compras, porque conseguirão preços mais baixos. Mas isso em nada ajudaria as empresas que precisam de vender hoje.