Por Ana Rute Silva, in Jornal Público
Em 2009, 66 por cento dos consumidores travaram o consumo de bens não essenciais . O neofrugalismo veio para ficar, diz estudo
Os portugueses estão rendidos ao neofrugalismo, a tendência mundial de consumo que foi prevista em finais de 2008 num relatório do falido banco de investimento Merril Lynch, entretanto comprado pelo Bank of America. Um estudo da GfK revela que os tempos dos gastos desenfreados terminaram e que a recessão fez nascer consumidores mais moderados e conscientes na hora de gastar dinheiro em bens não essenciais.
Se antes a marca e a inovação tecnológica eram a razão principal para comprar, hoje os produtos têm de ser funcionais e tangíveis: é preciso que mereçam cada cêntimo despendido. A empresa de estudos de mercado analisou as respostas de mais de mil portugueses e concluiu que no último ano 66 por cento não adquiriram nenhum bem de electrónica de consumo (televisões ou computadores), de consumo pessoal (como máquinas de barbear e depiladoras), de cuidado do lar (aspiradores ou frigoríficos) e de cozinha (máquinas de café, por exemplo). A maioria, porque simplesmente não precisava (67 por cento).
"O consumo era mais complexo e orientado pela questão da marca. Não significa que não haja um segmento que continue a valorizá-la, mas a maioria dos consumidores passou a olhar para a necessidade que tem do equipamento e as suas funcionalidades", diz Francisca Azevedo, directora da área de inovação e desenvolvimento da GfK Portugal.
Quem comprou, não resistiu aos plasmas e LCD (58 por cento), símbolo do futuro frugal preconizado no relatório do economista David Rosenberg do Merril Lynch. Confuso? Nos Estados Unidos, 43 por cento das famílias admitem que, depois da crise, passaram a jantar mais em casa e 25 por cento cortaram os gastos com ginásios e outros hobbies. O comportamento terá sido semelhante em Portugal, com as quebras no sector da restauração a atingirem os 20 por cento o ano passado.
Ao passarem mais tempo em casa, os consumidores abriram oportunidades ao mercado do entretenimento doméstico, onde a televisão, os sistemas de som ou as consolas de jogos - focadas na família - têm o papel principal. Não é de estranhar, por isso, que os plasmas tenham sido um dos produtos mais comprados pelos inquiridos no último ano.
Questionados sobre os motivos da aquisição, 40 por cento dos portugueses responderam que foi para "substituir um produto idêntico que se danificou" (no caso da categoria cuidados para o lar). Já na electrónica de consumo, a compra foi motivada pelo facto de ser um produto "mais eficaz" (24 por cento). A larga maioria, 64 por cento, escolheu a distribuição moderna para adquirir estes bens, seguindo-se as lojas de electrodomésticos (30 por cento) e as lojas de informática (três por cento). Para escolher a nova televisão ou o computador, os portugueses informaram-se através dos folhetos publicitários.
Em 2010, a percentagem de consumidores que têm planos para investir num novo aspirador ou num ferro de engomar, por exemplo, é de apenas 14 por cento. Francisca Azevedo explica que as respostas são influenciadas pelo "efeito crise" e crê que, se houver alguma promoção ou campanha especial, o consumidor poderá comprar determinado equipamento, se precisar.
Tendo em conta o perfil de consumo, a GfK distinguiu segmentos distintos, que ajudam a perceber melhor quem comprou o quê em plena recessão. A maioria (42 por cento) enquadra-se nos chamados "convergentes", ou seja, valorizam "o grande número de funcionalidades e as características técnicas de um produto, pois gostam de explorar as suas potencialidades". Seguem-se os "brand driven funcionais", aqueles para quem a marca é o mais importante. Valem 31 por cento da amostra e "estão a diminuir", diz Francisca Azevedo.
O neofrugalismo veio para ficar. "Não é uma moda. Mesmo que haja retoma, estas mudanças no consumo vão permanecer", garante.