António Ribeiro Ferreira, Correio da Manhã, Nuno Domingues, Rádio Clube, in Correio da Manhã
Carvalho da Silva, secretário-geral da CGTP, diz que o desemprego se tornou um negócio para certos patrões.
Correio da Manhã/Rádio Clube – Esta semana recolheu sinais positivos ou negativos em relação à disponibilidade dos trabalhadores de lutarem contra as actuais políticas do Governo?
Carvalho da Silva – Sinais positivos. Há um aumento da participação dos trabalhadores nas lutas que desenvolvem em função de coisas concretas a partir das empresas e sectores de actividade. Há uma manifestação de indignação que aumenta.
ND – Há mais sinais nuns casos do que em outros, não é?
- Nós vivemos num tempo em que há camadas da população que percebem a situação em que estamos e que começam a agir de forma mais colectiva e há sectores onde as coisas estão mais atrasadas nesse aspecto.
ARF – Há muitas vozes a apelar aos sindicatos para terem sentido de responsabilidade e não andarem a marcar greves sobre greves. Como é que responde a esses apelos?
- Se há coisa que os sindicatos têm é um grande sentido de responsabilidade. Por isso é que não nos limitamos a fazer denúncia, a fazer manifestações de indignação. Avançamos com propostas. A CGTP é a organização que estruturou seguramente melhor e mais profundamente contributos no âmbito da discussão do PEC. Enviámos ao Governo uma proposta concreta antes da elaboração do PEC.
ARF – Uma proposta seguramente alternativa?
- Claro, naturalmente por caminhos alternativos, não para continuação das políticas que nos conduziram a isto. Mas permitam-me dar até um exemplo sobre o subsídio de desemprego.
ARF – Que agora está na agenda do dia porque o Governo quer reduzir as suas prestações.
- É o resultado das políticas e das práticas patronais que têm sido seguidas que leva ao desemprego, que empurra as pessoas para o desemprego. As pessoas não se desempregam por vontade própria. Os desempregados são vítimas desta situação. E depois vemos esta hipocrisia de colocar nos desempregados a responsabilidade de se encontrarem no desemprego.
ARF – Tudo em nome da redução do défice.
- Eles foram vítimas, o descalabro e o desequilíbrio que levou ao défice público não é da responsabilidade dos salários, não é da responsabilidade do subsídio de desemprego. Foram os milhões que foram deslocados do Orçamento do Estado para servir o sector financeiro e os grupos económicos. E agora lança-se sobre os desempregados, os pobres e sobre o conjunto dos trabalhadores o velho estigma, conservador e reaccionário, de que são potencialmente malandros. Isto quando a malandrice está lá em cima.
ARF – O Governo e o PSD estão de acordo sobre essa matéria.
- Pois é. No dia em que o primeiro-ministro, de manhã, recebe o líder do PSD, ao fim da manhã o primeiro-ministro vem dizer que vão tomar uma série de medidas em relação ao subsídio de desemprego. E que vão fazer cortes. Como um facto consumado. E à tarde, em sede de concertação social, o Governo, os patrões e os sindicatos estão a fazer de conta que vão discutir as condições em que vão mudar o subsídio de desemprego. Isto não dá.
ARF – O que é que não dá?
- Há uma coisa fundamental na sociedade quando se está numa situação de grande bloqueio. É haver clareza, transparência, rigor e responsabilização das instituições e pessoas na discussão dos problemas. Este autismo, esta inevitabilidade imposta por uma entidade superior que nos impõe isto e aquilo é demolidor.
ARF – O primeiro-ministro diz que há muitos desempregados que recusam trabalho porque ganham mais com o subsídio. Isto é verdade?
- Essas afirmações chocam-me profundamente, essencialmente do ponto de vista ético. Para além de terem do ponto de vista económico, do ponto de vista material, dimensões que nos devem revoltar.
ARF – Revoltar porquê?
- Nas últimas décadas o País assistiu a uma camada da grande burguesia que se instalou no poder. Grandes accionistas de grupos económicos, gestores ao seu serviço, um grupo de poucos milhares que se move em troca de favores e que entre si vão repartindo o poder e a riqueza. Com muita corrupção e compadrio. É por isso também que remuneram principescamente os gestores. Este grupo apoderou-se do fundamental da riqueza. E o povo vê que não há valorização do trabalho, do esforço, vê este exemplo que corrói a sociedade. E nós estamos numa sociedade humana. Se em cima há maus exemplos, por aí abaixo com certeza que também os há.
ARF – Mas esses comportamentos são maioritários?
- Não. A grande massa dos portugueses, a juventude que está sem perspectivas, os trabalhadores em geral o que querem é ter emprego e trabalhar. Não querem viver sem trabalho. Isso é usar o estigma de que os pobres e os desempregados são potencialmente malandros. Isso já foi usado no século XIX, em que os indigentes eram condenados à morte.
ARF – Qual é a saída para essa situação?
- O País não vai sair dos bloqueios em que está se não confrontar uma certa burguesia que se instalou no poder, que troca favores entre si. Eu não estou a dizer para se acabar com eles.
ARF – Não é pô-los no Campo Pequeno.
- Não, não é isso. Nós estamos numa sociedade capitalista, o lucro tem o seu lugar. Agora, tudo tem de ter regras. Nós temos obrigação de fazer esse afrontamento. E no plano da governação temos de deixar de ter esta espécie de ciclo vicioso, em que a crise e as chamadas reformas são duas faces da mesma moeda. A crise em Portugal transformou-se numa instituição. Há falta de argumentos, invoca-se a crise, por culpa externa para não se olhar para os problemas internos. E porque há crise fazem reformas. Mas são falsas reformas.
ARF – Andamos a falar de reformas há décadas.
- Andamos a falar de reformas desvirtuando em absoluto o conceito de reformas. Porque a sociedade precisa de reformas a sério. Veja o que se passou com os professores. Não é admissível que um País esteja três anos com um Governo em guerra com os professores. Esta guerra, perdoem-me a expressão, é dura, é uma coisa, do ponto de vista político e do ponto de vista da governação, estúpida. Não tem sentido.
ARF – Foi o mesmo com a administração pública?
- Claro. A função pública e outros.
ND – Acha que o subsídio de desemprego, com estas alterações, vai acabar por ser inferior ao salário mínimo em certos casos? Vamos chegar aí?
- Há duas coisas ligadas ao subsídio de desemprego que são claras. O desemprego para uma parte significativa dos empresários, não é a generalidade, nós temos também gente séria, e os esquemas em torno do subsídio de desemprego, leva-me a dizer que o desemprego tornou-se, é um negócio para uma certa camada parasitária de empresários.
ND – E não vai diminuir?
- Não vai diminuir. Andam à procura de coisinhas para a política activa de emprego e cada vez tornam o emprego mais precário. A instabilidade aumenta, mas vão aqui e ali à procura de vantagens, de não pagarem à segurança social e por aí adiante. E andam nisto. É uma mesquinhez que destrói emprego. E repare. A precariedade é o maior destruidor do emprego.
ARF – Fazem isso para pagarem menos?
- É uma estratégia que está em marcha. Não sei se o primeiro-ministro já se apercebeu. É todo um processo que conduz à diminuição da retribuição do trabalho. Isto é inadmissível.
ND – E esses esquemas não criam emprego?
- Não criam emprego. Repare. O secretário-geral da OIT já o disse. Não se chame saída da crise a políticas que não criam emprego. E outro dos factores que pesa negativamente na economia e no emprego é o facto de estar a haver uma diminuição da retribuição do trabalho.
ARF – Em Portugal está a haver.
- Em Portugal e nos outros países. Em Portugal é vergonhosa.
ARF – Quantas pessoas em Portugal perderam emprego e já não têm subsídio?
- Não há números certos. Mas são muitas. Pode estar entre as 150 e as 200 mil. Há também os que já desistiram de procurar emprego e não entram nas estatísticas, há os que vão fazer uns meses a França ou a Espanha. E há a juventude. A precariedade é tal ordem que muitas vezes não conseguem preencher o tempo de trabalho para receberem o subsídio.
ARF – São números assustadores?
- Se somarmos os que estão oficialmente no desemprego, mais os que estão no desemprego a fazer formação, esse número já ultrapassa os 660 mil.
ND – Portugal está com uma taxa de desemprego de 10,5 em Março, mais duas décimas do que em Fevereiro. Vamos ficar nos dois dígitos por muito tempo?
- Não devemos ficar por muito tempo. Mas são precisas grandes mudanças no País. São precisas políticas de criação de emprego.
ND – Como não existem os dois dígitos vieram para ficar?
- Sem políticas sim.
ARF – Olha-se para o PEC e vê-se que com o crescimento de 1,7 em 2013 o desemprego não irá baixar, pois não?
- Quando o Governo apresenta o PEC vangloria-se de ter reduzido 73 mil postos de trabalho na administração pública entre 2005 e 2009. Isto é um desastre. É um sinal que se está a dar à sociedade que é preciso destruir emprego. Isto não tem sentido.
ND – Estes números aparecem quando a Espanha está com mais de 20 por cento de desempregados. O que é mais grave? Os 10,5 em Portugal ou os 20,5 em Espanha?
- Uma nota prévia e um comentário. Quando nós falamos em crise o que tem que estar no centro são as pessoas. Temos de ver as condições concretas. A Espanha tem um desemprego muito elevado, mas o nível médio de vida dos espanhóis está muitos furos acima do nosso.
ND – Mesmo para esses 20,5 % ?
- Mesmo para esses 20,5 % de desempregados. O nível de vida dos desempregados em Espanha é superior ao nível de vida médio dos portugueses. É esta a relação que temos. E impressiona-me que alguns políticos se refiram à Grécia com superioridade.
ARF – Com superioridade?
- Sim. A Grécia está mal, nós estamos melhor. E esquecem duas coisas fundamentais. Primeiro, a pequenez de tratar mal um País, um povo que tem uma história muito longa. Segundo, é que o povo grego tem um nível de vida médio superior ao português e a distribuição de riqueza, apesar de todos os erros, é muito mais equilibrada em Portugal. Há que sermos modestos e voltarmo-nos para os nossos problemas.
ARF – A verdade é que não há perspectiva de nenhuma mudança de políticas.
- Mas também há uma outra certeza. Que nunca há saídas pré-anunciadas. É preciso construí-las.
ARF – Mas perante esta situação não acha que se justificava uma greve geral? Não era uma resposta importante?
- Pode ser. Para já é preciso maior participação dos trabalhadores, desde logo, na resolução dos seus problemas. Os trabalhadores têm o direito e a obrigação de manifestarem a sua indignação, mas ao mesmo tempo gerar confiança e avançar com propostas, com reivindicações. E, portanto, impõe-se aumentar a luta. Se amanhã estiverem reunidas as condições para uma greve geral, com certeza que os sindicatos avançam com ela. Mas lembrar uma coisa: é que a luta é dos trabalhadores, mas é também da sociedade. Impõe-se a mobilização da sociedade.
ND – O PCP vai apresentar um candidato presidencial. Aceitaria ser esse candidato?
- Essa hipótese não existe e sobre esse assunto não quero falar.
ND – Como é que vê neste momento as estratégias para as presidenciais com os candidatos que estão em cima da mesa?
- Primeiro ainda falta um, que é o do PCP. Segundo, o meu desejo é que as presidenciais constituam uma oportunidade de um debate e mobilização da sociedade portuguesa que ajude a dar uma resposta aos problemas do País.
ND – E acredita que isso vai acontecer?
- O leque de partida e a forma como as coisas estão, enfim, tem muitas armadilhas. É preciso um grande esforço para que deste processo decorra um resultado positivo. Designadamente porque o País está numa situação difícil e geraram-se duas situações que não sei como é que se vão desarmar.
ARF – Quais?
- É que há uma convergência total entre o Governo, a direita e o Presidente da República sobre as inevitalidades destas receitas duras para o povo português. E eu digo que isto é um desastre.
ARF – Está tudo unido.
- Está tudo unido nessa lógica. O que o PSD veio acrescentar de novo são três coisas que apenas aprofundam o problema. É o acelerar uma revisão subversão da Constituição, a ver se encontram as condições para depois darem a porrada na legalidade, é a afirmação de que os direitos sociais devem ser entregues ao mercado. E eu digo que Portugal corre o gravíssimo risco de fragilização do Estado social e em particular da segurança social. Várias das propostas apresentadas no PEC e não só são perigosíssimos engulhos para o futuro da protecção social e da segurança social. Ai de nós se desarmamos a segurança social.
ARF – Porquê?
- Lembro que temos neste País 18 a 20 % de pobreza oficial porque nos últimos anos se aguentou alguma protecção e evitou-se que se alastrasse. Porque se as medidas não fossem adoptadas o que se afirma é que o número duplicava.
ND – Para 40 % ?
- Para 40 a 42 % de portugueses considerados pobres. Portanto, muito cuidado com isto. E aqui é o drama. Há uma convergência total entre o Governo, o Presidente da República e os partidos de direita. O PSD vem com esta história agravar e com a outra invenção extraordinária, que é privatize-se tudo para não haver corrupção. Como se não houvesse corrupção no privado. O cenário é este para as presidenciais e há outro problema.
ARF – Qual é?
- O Presidente da República, que vai ser candidato, está quieto. Se puder encanar a perna à rã durante estes oito meses para não criar chatices, melhor é. Ora quando o Pais está com problemas profundíssimos isto desarma o que deveria ser o conteúdo fundamental do debate das presidenciais. Definir uma estratégia para o futuro.
ARF – Acha que Portugal tem uma estratégia?
- Não, não tem há muito tempo. E tem de ter. E há uma palavra-chave na sociedade portuguesa que é a responsabilização. Criar a responsabilização, acabar com essa ideia do facilitismo. Isso é fundamental.