Por Raquel Martins, in Jornal Público
A situação económica está a aproximar os trabalhadores dos sindicatos, que, ainda assim, estão a perder filiados e quotizações
Em tempo de crise, os sindicatos não têm mãos a medir. "Parecemos uns bombeiros a correr de um lado para o outro"; "em dez anos, não me lembro de um ritmo tão intenso de trabalho"; "temos que estar disponíveis 24 horas por dia". O diagnóstico é feito por vários dirigentes sindicais da CGTP e da UGT. A culpa do ritmo frenético é da pior crise desde a Segunda Guerra Mundial e do que ela trouxe consigo: um número recorde de despedimentos colectivos, suspensões de contratos e encerramento de empresas, uma taxa de desemprego que ultrapassou a barreira dos 10 por cento e afecta já perto de 600 mil pessoas e uma recuperação económica que teima em não ganhar força.
Todos estes são ingredientes que estarão presentes nas palavras de ordem das manifestações desta tarde para assinalar o Dia do Trabalhador e são motivos para que os mais afectados pela crise se aproximem dos sindicatos. "Quando são vítimas de despedimento ou sentem o seu posto de trabalho ameaçado, os trabalhadores reagem como um náufrago e lançam mão à primeira tábua que encontrarem", realça Manuel Guerreiro, dirigente da federação de sindicatos do comércio e serviços ligada à CGTP.
Na construção e cerâmica - os sectores mais afectados pelo desemprego, além da indústria, que, no último ano, perderam mais de 100 mil postos de trabalho -, Fátima Messias, coordenadora da federação destes sindicatos, nota "uma maior participação e intervenção dos trabalhadores". Sindicalizados e não sindicalizados. E nota também mais pedidos de auxílio. "Temos muito mais trabalho e mais inesperado. Parecemos uns bombeiros a correr de um lado para o outro. Nos últimos dez anos, não me lembro de um ritmo tão intenso", relata, acrescentando que o e-mail da federação está sempre cheio de pedidos.
Vítor Duarte, presidente do Sindicato Nacional da Indústria e Energia, da UGT, também dá conta de um aumento da intervenção: "Temos tido muito mais trabalho por causa das situações de lay off (suspensão temporária dos contratos) e notamos uma maior procura por parte das pessoas não filiadas".
Também na área do comércio e serviços, onde os contratos são mais precários, há também um aumento das solicitações. "Em finais de 2008, tivemos uma vaga de não renovações de contratos, depois iniciaram-se as rescisões por mútuo acordo e os despedimentos colectivos. Há um crescendo de solicitações muito mais do que é normal", relata Manuel Guerreiro. Contudo, este aumento do volume de trabalho nem sempre se traduz num aumento de sindicalizados. Na construção e indústria, o número de saídas tem sido muito superior ao de novos filiados, que são principalmente jovens e com salários mais baixos. A escapar à regra parece estar, segundo João Paulo Torrinhas, dirigente da CGTP, o sector dos serviços, onde se tem conseguido alguma mobilização nos call centers e grandes superfícies.
Para Elísio Estanque, sociólogo da Universidade de Coimbra, pode ir uma grande distância entre uma maior crispação na sociedade, decorrente da crise, do desemprego, do congelamento dos salários e uma maior predisposição para "adoptar formas de resistência mais radicais" e o tempo dedicado à actividade sindical. "O descontentamento parece estar cada vez mais acompanhado por um certo desânimo", realça. E insta os sindicatos a adaptarem-se às novas realidades e adoptarem formas de funcionamento menos rígidas para poderem acolher novas realidades como a dos precários ou das camadas jovens e mais qualificadas: "o sindicalismo pode não estar mais forte, mas há condições para que ganhe um maior protagonismo". Já Alan Stoleroff, professor no ISCTE, afirma que as manifestações do 1º de Maio são um barómetro do descontentamento dos trabalhadores e antevê uma grande participação. É isso que esperam também os sindicatos, nomeadamente os da função pública, que hoje vão testar até que ponto os trabalhadores estão dispostos a ir na contestação ao Governo.