Por Steven Pearlstein, in Jornal Público
Ao longo do último ano tenho vindo a avisar que os desequilíbrios subjacentes à crise financeira - o crescimento explosivo do crédito, a má avaliação do risco, a má avaliação de imóveis e outros bens, a sobrecapacidade na economia global - eram tão grandes que uma recuperação económica rápida e fácil era altamente improvável.
E durante muito tempo parecia que eu estava tremendamente errado. Mas a enervante suspeita é que muita desta recuperação é resultado do estímulo fiscal e monetário maciço, que não fez apenas o seu trabalho de reverter aquilo que era uma perigosa espiral descendente como também tornou possível para muitos países adiarem lidar com esses desequilíbrios económicos fundamentais.
A melhor prova disso é o drama financeiro que agora se desenrola na Europa Ocidental, onde, durante muitos anos, países como a Irlanda e a Grécia usaram a cobertura financeira proporcionada por uma nova moeda continental para gastar em excesso, pedir emprestado em excesso e expandir-se em excesso.
No caso da Grécia, o governo endividou-se de tal forma durante os anos da bolha que é quase impossível sair da difícil situação em que se encontra. Se Atenas conseguir cumprir as suas promessas de cortar as despesas e transformar um povo que foge ao fisco num povo de contribuintes, há boas hipóteses de isso desencadear uma espiral deflacionária perversa - descida dos preços, diminuição de emprego e queda das receitas do governo - que impossibilitará o pagamento das dívidas. Ou então a Grécia pode optar por não cumprir as suas promessas e acabar por ficar sem quaisquer hipóteses de pedir empréstimos. Em qualquer dos casos verificar-se-á uma qualquer espécie de incumprimento.
A história é um pouco diferente noutros países, embora com consequências semelhantes. Em Espanha e na Irlanda o problema não é tanto a dívida governamental mas toda a dívida privada usada para abastecer bolhas imobiliárias maciças. Agora que essas bolhas rebentaram, os bancos que emprestaram esse dinheiro enfrentam perdas tão grandes que já tiveram de ser salvos pelo governo (no caso da Irlanda) ou em breve o poderão ser (no caso de Espanha). E a consequente recessão fez diminuir as receitas fiscais tão drasticamente que mesmo os governos, até agora fiscalmente responsáveis, destes dois países consideram difícil e dispendioso pedir mais dinheiro emprestado ou refinanciar a dívida existente, se for necessário.
Para agravar o problema, grande parte desta dívida, pública e privada, encontra-se nas mãos dos maiores bancos europeus, muitos dos quais estavam já bastante descapitalizados e enfraquecidos por perdas devido a maus investimentos americanos. Para os líderes europeus, a decisão de avançarem com um pacote de ajuda de 145 mil milhões de dólares para a Grécia corresponde a uma decisão de que era menos penoso, financeira e politicamente, ajudar um vizinho perdulário do que ajudar os seus próprios banqueiros.
Na verdade, o problema da resposta dos líderes europeus a esta crise foi que as suas preocupações exageradas com as aparências levaram-nos a rejeitar estratégias úteis. Foi por causa dessa preocupação com as aparências que a União Europeia inicialmente rejeitou a ideia de permitir que o Fundo Monetário Internacional oferecesse à Grécia um pacote de ajuda, quando acabou por ter de ceder quando a corrida aos títulos gregos se transformou num desaire. Foi por causa dessa preocupação com as aparências que o Banco Central Europeu anunciou com dureza, várias semanas antes, que não permitiria que os bancos europeus pedissem empréstimos utilizando como garantia os títulos gregos em queda, e que nunca utilizaria o seu balanço para monetizar a dívida grega. Todavia, o BCE começou a aceitar os títulos da Grécia, actualmente sem valor, como garantia, dando ao mesmo tempo a entender que está aberto a comprar mais ainda no mercado secundário.
Foi agora com a mesma determinação mal orientada que alguns responsáveis europeus tentaram acabar com qualquer discussão sobre a dívida da Grécia ou de qualquer outro país da zona euro, com a teoria de que o incumprimento de um seria incumprimento de todos.
Na realidade, os mercados são perfeitamente capazes de distinguir entre as finanças de diferentes países que utilizam a mesma moeda. E embora qualquer país que não cumpra vá seguramente enfrentar a perspectiva de ser ignorado pelos mercados de crédito durante anos, essa punição não é diferente daquela que, no passado, foi executada em países como a Grécia e a Itália, quando estes podiam facilmente fugir dos problemas financeiros pagando as suas dívidas em moeda desvalorizada.
Com a crise do crédito na Grécia a transformar-se rapidamente numa crise de liquidez que afecta toda a zona euro, os líderes europeus fariam bem em esquecer as aparências e avançar com um mecanismo aceitável para a reestruturação ordenada de dívida soberana. Pois tal como too big to fail provou ser uma péssima estratégia para os bancos, é igualmente péssima quando aplicada a países, encorajando, em ambos os casos, imprudência por parte dos emprestadores e desregramento e aceitação de risco por parte dos mutuários. Embora uma reestruturação da dívida pudesse ser penosa para a Grécia e os seus banqueiros europeus, seria certamente menos penosa do que uma recessão e consequente austeridade. E embora um incumprimento grego levasse provavelmente a um aumento do custo dos empréstimos para alguns vizinhos da zona euro, é precisamente essa espécie de repricing pós-bolha do risco que é necessário para recuperar a confiança em mercados globais, reequilibrar a economia global e fornecer as bases necessárias para um crescimento sustentável de longo prazo.
Colunista do Washington Post. Exclusivo Washington/PÚBLICO