por Eva Cabral e Hugo F. Coelho, in Diário de Notícias
O antigo ministro das Finanças considera que a situação desesperada condenou o País aos sacrifícios. Elogia o PSD e o trabalho de Teixeira dos Santos. Mas diz que a Assembleia não inspira confiança e critica as corporações de privilegiados
Silva Lopes foi o pai do primeiro défice da democracia portuguesa, enquanto ministro das Finanças do II Governo provisório. Admite que lhe custou fazê-lo, mas olha para o passado sem arrependimento. No final do PREC, quando o País estava à beira da bancarrota, foi nomeado governador do Banco de Portugal. Dois anos depois negoceia o primeiro acordo com o FMI, que já então impõe medidas draconianas a Portugal. Economista próximo do PS, esteve com José Sócrates no início do seu Governo. Mas afastou-se quando o reformismo da maioria absoluta socialista cedeu à pressão das corporações.
Os sacrifícios ontem pedidos pelo Governo respondem à situação de emergência do País?
Chegamos a um ponto em que não podemos viver sem empréstimos estrangeiros. Estaríamos numa situação desesperada nos mercados se a União Europeia não tivesse acordado num megaplano de apoio a países em dificuldades financeiras. Mas ninguém faz empréstimos sem tomar precauções. O conselho de ministros da Zona Euro impôs que baixássemos o défice em mais um ponto percentual. E vai impor-nos ainda mais.
O plano de austeridade centra-se no Orçamento, mas não responde ao endividamento externo...
Tenho dito que só se consegue reduzir o desequilíbrio externo pelo aumento da poupança. Mas a urgência agora é [equilibrar] o Orçamento. Seja por aumento de receitas ou redução de despesa. Era melhor que fosse por corte de despesa corrente. Assim havia aumento da poupança nacional. Mas insisto que estas medidas e o PEC vão prejudicar o crescimento económico. Estou muito pessimista quanto ao crescimento para o resto do ano. Pode até ser negativo.
O Governo tinha alternativa?
Não! O problema é que se não tomássemos essas medidas não conseguiríamos financiamento externo. Isso seria o desastre completo, uma catástrofe garantida. Estes sacrifícios são o menor dos males que temos de encarar. Mas não vale a pena enganar as pessoas e dizer que se consegue isto e o crescimento económico ao mesmo tempo.
O PSD exige um corte de despesa equivalente ao aumento da receita. Isso é exequível?
Devia haver uma comissão para estudar as despesas do Estado. Isto não pode ser a olho. Temos de ir ministério a ministério e ver onde há funcionários a mais e a menos.
E atacar a despesa corrente...
Não há alternativa. Temos uma despesa pública que ultrapassa os 50% do PIB - das mais altas da Europa. Se baixarmos de 51% para 49% não é excessivo. A despesa tem aumentado sempre nos últimos 30 anos. Mas isso acabou. Acabou de uma vez para sempre.
E cortes nas prestações sociais?
Infelizmente, também. E isso é onde custa mais.
Defende o corte dos salários?
Seria a melhor solução para a economia portuguesa porque ia tornar as exportações mais competitivas. Mas, ao mesmo tempo, tinham de ser tomadas outras medidas, como o controlo dos preços dessas empresas que têm monopólio no mercado e grandes lucros. Essas empresas podem aumentar salários à vontadinha...
A supervisão em Portugal é fraca?
As supervisões deviam ter mais poder do que têm. Agora o ambiente político em Portugal não é ainda esse. Sou muito crítico dos partidos da esquerda por não perceberem que é aí que devem atacar.
A independência da supervisão está em causa com o modelo de nomeação pelo Governo?
O modelo pode ser um pouco diferente. Mas em toda a parte tem de ser uma proposta do Governo. A Assembleia da República não inspira muita confiança. Custa dizê-lo, mas é verdade. Só pensam numa coisa: a luta partidária. Tomam decisões de por os cabelos em pé! Nas discussões do Orçamento todos queriam menos impostos e mais despesa.
"ABERTURA DO PSD FOI DO MAIS POSITIVO"
Os protagonistas políticos deste acordo vão "sobreviver nas urnas" à imposição dos sacrifícios?
Espero que não tenhamos eleições tão depressa. Mas lembro que Mário Soares fez acordos por duas vezes com o FMI e perdeu as eleições a seguir. Se os políticos tiverem coragem, não devem recuar.
Sócrates e Passos Coelho têm?
O facto de a nova liderança do PSD ter mostrado abertura face ao Governo foi das coisas mais positivas que vi em Portugal nos últimos anos. Não sei como é que o diálogo se vai resolver. Mas espero que saibam chegar a compromissos. O Governo deve olhar também para os outros partidos.
O acordo tem um prazo de validade. E depois, como será?
Vamos precisar disto mais anos. Por agora é positivo. Para o ano logo se vê.
É preciso um novo bloco central?
Não. Mas são precisas conversas ao nível técnico entre os partidos. Ouvi dizer que Nogueira Leite [conselheiro de Passos] falou com Teixeira dos Santos. Acho isso bem.
Porque não foi à audiência de antigos ministros das Finanças com o Presidente da República?
O facto de ter sido ministro das Finanças não dá qualificações especiais para dar conselhos ao Presidente. Por outro lado, tenho opiniões diferentes de alguns dos ministros que lá foram. Não me sinto bem na sua companhia.
Como avalia Teixeira dos Santos?
Tem tido uma tarefa muito difícil mas tem-na desempenhado muito bem. É dos grandes ministros das Finanças que Portugal teve.
Há a tradicional tensão entre o ministro e o chefe de Governo?
Espero bem que não. Já tive a experiência de ser ministro das Finanças. Normalmente, tem contra ele todos os ministros. Mas não pode ter o primeiro-ministro contra. Senão torna-se impossível.
Portugal pode estar à beira de uma grande conflitualidade social?
Na Letónia e na Irlanda foram impostos sacrifícios maiores e as populações aceitaram. Os povos da orla mediterrânica não têm a mesma capacidade de aceitar sacrifícios sem fazer barulho. Mas em Portugal quem faz reivindicações são os privilegiados, não são os pobres diabos que trabalham nas fábricas têxteis.
São as corporações a funcionar?
Claro. Quem tem poder usa-o. Isso não tem nada de democrático. Estes sindicatos fortes - que juntam aqueles que não correm o risco de perder os empregos - não estão a fazer greves contra patrões capitalistas. Estão a fazer greve contra o resto da população.