21.3.23

A semana de quatro dias é um verdadeiro ato de fé

Daniela Lima, opinião, in Expresso

Num período em que temas como o stress, o b urnout, o equilíbrio da vida pessoal e do trabalho, a retenção de talento, a sustentabilidade e a produtividade estão em destaque, urge refletir sobre o caminho a seguir na tentativa desesperada de transformar a sociedade em algo mais justo e humanizado. A semana de quatro dias é o “tópico” para 2023

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A semana de quatro dias é um verdadeiro ato de fé! A semana dos quatro dias de trabalho parece-me uma ideia fantástica, pois considero que vai ao encontro das expectativas dos trabalhadores e das empresas na resolução de alguns dos problemas que entendemos hoje como incontornáveis, nomeadamente o stress, o equilíbrio da vida pessoal e do trabalho, a atratividade e retenção de talento, a sustentabilidade e a produtividade. Acredito que este vai ser o "tópico” para 2023 sobre o qual recairão muitos argumentos a favor e muitos mais contra.

Contudo, a reflexão e a discussão do tema urgem, dada a amplitude do seu impacto nos vários contextos (organizacional, económico e social), num período que se prevê ser particularmente frágil e de profundas mudanças. O prestigiado economista e professor Pedro Gomes lançou o desafio aos portugueses de pensar "fora da caixa” e de sermos pioneiros nesta aventura da semana de quatro dias. Não só me pareceu um desafio muito interessante, como algo passível de ser concretizado, dada a qualidade e clareza de argumentos que apresenta no seu livro e nos seus artigos.

Sinto-me particularmente atraída pela teoria das soluções "aditivas sem considerar as subtrações” que resulta do enviesamento aditivo, o qual dá suporte à teoria de que os ganhos de produtividade se concretizam pelo caminho alternativo, a redução das horas de trabalho, ou seja, a semana de quatro dias.

O argumento é desafiante e confesso que me conquistou de forma incondicional! A semana de quatro dias é amplamente defendida pelos dados que emergem dos vários estudos realizados internacionalmente, que evidenciam os ganhos para o bem-estar dos trabalhadores em contexto organizacional.

Um artigo publicado esta semana na comunicação social realça as vantagens da semana de quatro dias com recurso a um estudo realizado no Reino Unido, pela Universidade de Cambridge, num projeto piloto com 61 empresas. Estas empresas reduziram em 20% o horário dos seus trabalhadores sem perda de remuneração por um período de seis meses. Os resultados são muitos interessantes e inspiradores, na medida em que se registaram menos 65% de baixas por doença e as intenções de saídas dos trabalhadores reduziram-se em 57%.

Este estudo refere ainda que 79% dos trabalhadores das 61 empresas que participaram neste piloto dizem sentir-se menos expostos a fatores de stress com a adoção deste novo modelo. O sociólogo Brendam Burchell, da Universidade de Cambridge, que liderou o programa 4 Day Week Campaing, aponta como vantagem competitiva para as empresas a adoção da semana de quatro dias.

Os resultados obtidos neste estudo são muito aliciantes porque as empresas registaram um aumento médio de 1,4% da sua faturação no período de tempo em que decorreu o estudo no comparativo com o ano anterior. Contudo, existe sempre um "mas”, devemos comparar o que é passível de comparação, não querendo ser a voz do velho do Restelo, mas não me parece que, do ponto de vista das políticas atuais do mercado de trabalho, da própria legislação do trabalho, da carga fiscal sobre o trabalho motivem a esmagadora maioria do tecido empresarial português a considerar sequer um tema a discutir, a semana dos quatro dias.

Mas, ainda assim, a clareza dos argumentos apresentados por Pedro Gomes no seu livro desafiam a reflexão, principalmente pelo paralelismo que estabelece entre a discussão da semana de quatro dias e discussão da semana de cinco dias há 80 anos (Sexta-feira é o Novo Sábado). Na altura, foi possível passar dos tradicionais seis dias de trabalho semanal para os cinco. Nessa medida, possivelmente, também o será, com os devidos ajustes, ter no futuro uma semana de quaro dias.

Neste desafio reflexivo que se coloca hoje aos vários sectores da sociedade existem várias questões que emergem de forma natural e que exigem respostas. Atendendo à minha formação, também eu tenho várias questões que gostaria de ver discutidas. Neste sentido, vou apresentar apenas alguns tópicos, porque acredito que vão existir inúmeros fóruns de discussão e reflexão que permitirão percorrer o trajeto de forma calma, tranquila e estruturada em direção à semana dos quatro dias.

Assim sendo, é do conhecimento comum a força da envolvente externa na prática organizacional, nomeadamente, ao nível das pressões do mercado, da aceleração digital, da falta de talento e de tantos outros fatores a montante e jusante do negócio que transformam as práticas de gestão de recursos humanos em verdadeiros desafios. Esta conjuntura de fatores traduz-se numa quantidade excessiva de exigências para os colaboradores em contexto organizacional, porque a quantidade de trabalho por trabalhador está sobredimensionada para os cinco dias da semana.

Neste sentido, urge compreender que assumindo que se respeita o período semanal de trabalho dos quatro dias a oito horas, pergunto como é que se equaciona reduzir sem aumentar custos através da contratação de mais recursos? Por outro lado, estarão estes trabalhadores na sexta-feira que é o “novo sábado” em ”home office” a produzir trabalho para repor o tempo perdido?

Nestes pontos considero que a cultura organizacional terá um papel crucial a desempenhar. A cultura organizacional está profundamente impregnada de pequenas referências veladas à prática dos trabalhadores terem um horário de entrada, mas sem terem uma previsão de saída. A leitura por parte dos "nossos talentos”, ou seja, dos profissionais nos nossos dias é que para serem atrativos para as empresas e para o mercado de trabalho devem demonstrar a sua dedicação e o seu comprometimento para com a organização, aumentando o seu desempenho com recurso ao excesso de horas trabalhadas, privando-os do descanso e, retirando valor às outras dimensões da sua vida.

Esta semana dos quatro dias seria muito vantajosa para todos os profissionais que enfrentam este contexto. Contudo, que profissionais e que sectores seriam elegíveis para usufruir deste merecido descanso? Seria um direito extensível a todos os trabalhadores? É importante refletir para provocar a mudança, mas o desafio é audaz! Com a mudança de paradigma do trabalho decorrente da covid-19, com a crescente instabilidade socioeconómica, também o mercado de trabalho sofre fortes oscilações face ao impacto deste conjunto de fatores sistémicos.

De acordo, com o economista Pedro Gomes, este panorama de "perfect storm” urge como sendo a oportunidade perfeita de rutura com o status quo, fazendo a ressalva que não existe qualquer corrente política de esquerda ou de direita associada à ideia, mas como sendo o mercado a funcionar numa lógica contrária à heurística da adição.

Na ótica dos trabalhadores, estes sentem a ameaça palpável do "bicho papão” das rescisões contratuais, o aumento da inflação que limita o poder de compra das famílias, o aumento dos juros bancários com impacto direto no seu orçamento familiar. Existem relatos em Portugal de agregados familiares que se veem muito próximos do limiar da pobreza, com perda efetiva de poder de compra e qualidade de vida. Concordo que o panorama é duro e não apoia a tese da semana de quatro dias, mas os custos associados à falta de equilíbrio entre a vida do trabalho e a vida familiar, o excesso de exigências, o stress, a ansiedade, a doença mental e os acidentes de trabalho também têm uma importância que merece ser equacionada do ponto de vista económico e social.

A semana de quatro dias é muito atrativa, na medida em que se apresenta como um mecanismo que permitiria criar um conjunto de dinâmicas que reduziriam as situações de risco em contexto organizacional e, permitiriam aumentar o bem-estar organizacional (well-being) e a qualidade de vida dos trabalhadores. Permitiria que os trabalhadores tivessem a oportunidade de ter mais tempo de recuperar das exigências cognitivas e emocionais, seriam mais produtivos, mais criativos, mais organizados com os seus tempos de trabalho, teriam tempo para o seu desenvolvimento pessoal, para a aquisição de novas competências, entre outras oportunidades.

Todas estas vantagens geram fluxos financeiros dentro da nossa economia: dinamizaríamos mais o turismo interno (escapadinhas), as universidades e as empresas de formação teriam mais alunos, a restauração teria mais clientes, os ginásios e as academias teriam mais utentes, etc... Seria perfeito! A semana de quatro dias deve ser entendida como um ato de fé, porque a sociedade necessita de um milagre em breve.