21.3.23

O que está a mudar na política de imigração? Cidadãos da CPLP com regime mais simples

Ana Cristina Pereira, in Público

A três semanas de extinção do SEF, com cerca de 300 mil processos pendentes, Governo apresenta esta sexta-feira plataforma digital de autorização de residência para cidadãos da CPLP.

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) chega ao fim com milhares de pendências. Um novo modelo de interacção entre os serviços competentes e os estrangeiros com processos de autorização de residência pendentes em Portugal é apresentado esta sexta-feira à tarde pelo ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, e pela ministra dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, em Lisboa. Conforme o acordo de mobilidade assinado em Luanda no dia 17 de Julho de 2021, os cidadãos oriundos da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) beneficiarão de um regime simplificado.

Quantos estrangeiros têm autorização de residência em Portugal?

O número tem subido de ano para ano: 388 mil em 2015, 397 mil em 2016, 421 mil em 2017, 480 mil em 2018, 590 mil em 2019, 662 mil em 2020, 698 mil em 2021. O SEF contava mais de 757 mil no final do ano. Só em 2022, deferiu 113 mil novas autorizações de residência, às quais terão de se acrescentar os 58 mil ucranianos a quem concedeu protecção temporária.

Quantos estrangeiros estão em situação irregular?

Não se sabe. A 31 de Dezembro de 2022, o SEF contava cerca de 300 mil processos de autorização de residência pendentes, isto é, pessoas que naquele ano ou no anterior tinham apresentado manifestações de interesse no Sistema Automático de Pré-Agendamento. Estima-se que metade seja oriunda do espaço da CPLP, vulgo, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, com preponderância do Brasil. Algumas dessas pessoas podem já ter saído do território nacional. Ao mesmo tempo, outras podem ter entrado.

O SEF será extinto mesmo assim?

A extinção do SEF está agendada para 31 de Março e até agora não foi adiada. A futura Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo herdará grande parte das suas funções administrativas, ficando as restantes a cargo do Instituto de Registos e Notariado. O controlo de fronteiras áreas será transferido para a Polícia de Segurança Pública, o controlo das fronteiras marítimas para a Guarda Nacional Republicana e a investigação dos crimes de auxílio à imigração ilegal, associação de auxílio à imigração ilegal, tráfico de pessoas e conexos para a Polícia Judiciária. O Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do SEF fala em "indefinição" no processo de extinção.

Então a Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo herdará os cerca de 300 mil processos pendentes?

Não totalmente. O SEF tem estado a atender cidadãos estrangeiros nos postos existentes em todo o país. Para recuperar as pendências de 2021 e 2022, anunciou a criação de “um grande centro, na área de Lisboa, com horário alargado de atendimento e com a disponibilização de vários balcões”. O plano é notificar as pessoas para preencherem um formulário online e, “mediante agendamento pelo serviço”, se deslocarem lá. Os da CPLP nem terão de se deslocar aos serviços.

Que regime especial haverá para recuperar pendências de cidadãos da CPLP?

O SEF anunciou que ainda este mês deveria avançar um “procedimento mais célere e simplificado de concessão de autorização de residência para os cidadãos da CPLP com processos pendentes”. Desde o dia 1 de Março, há um modelo de título administrativo de residência específico para cidadãos da CPLP. Esta sexta-feira, dia 10, pelas 16h30, no Ministério da Administração Interna, em Lisboa, é apresentada a plataforma digital de autorização de residência CPLP. Se uma pessoa com manifestações de interesse pendente desde 2021 ou 2022 optar pelo visto CPLP, cai o velho processo. Em poucos dias, deve receber o novo documento.

Que tipo de modalidades prevê o Acordo sobre a Mobilidade entre os Estados-Membros da CPLP?

Há quatro hipóteses: a “estada de curta duração CPLP”, que dispensa autorização administrativa prévia; o “visto de estada temporária CPLP”, isto é, a autorização administrativa até 12 meses; o “visto de residência CPLP”, a autorização administrativa destinada a requerer e obter autorização de residência CPLP; e a “autorização de residência CPLP” propriamente dita, isto é, a autorização administrativa que permite estabelecer residência no território nacional. Esta última tem a duração inicial de um ano e é renovável por períodos sucessivos de dois anos.

O que significa a simplificação da atribuição de autorização de residência a cidadãos da CPLP?

Na instrução de pedidos de concessão e de renovação de autorização de residência, os cidadãos da CPLP ficam isentos de apresentar seguro de viagem válido, comprovativo de meios de subsistência, cópia do título de transporte de regresso. Também ficam dispensados de requerer visto presencialmente.

Não há qualquer restrição?

Há. Conforme o acordo de mobilidade, “é permitido às partes restringir a entrada ou permanência dos cidadãos da outra parte no seu território por razões ligadas à necessidade de salvaguarda da ordem, segurança ou saúde pública”. Também o podem fazer “por fundadas suspeitas sobre a credibilidade e autenticidade dos documentos que atestam a qualidade exigida para a mobilidade”.

Isto já está em vigor?

Já. Os cidadãos da CPLP que ainda se encontram no seu país de origem e querem vir para Portugal podem recorrer aos serviços consulares ou às secções consulares existentes nas embaixadas portuguesas para solicitar o visto adequado.

E os cidadãos de outros países que querem trabalhar em Portugal?

Com a última alteração da Lei de Estrangeiros, desse Novembro qualquer estrangeiro que queira trabalhar em Portugal pode pedir um visto de procura de trabalho. Tal documento é concedido por 120 dias, prorrogáveis por outros 60. A emissão pressupõe agendamento para a concessão da autorização de residência. Para o solicitar é preciso “declaração de condições de estada; comprovativo de apresentação de declaração de manifestação de interesse para inscrição no Instituto de Emprego e Formação Profissional; comprovativo da posse de meios de subsistência equivalente a três retribuições mínimas mensais”. Recorde-se que com essa revisão legal também foi criado o “visto de estada temporária e de autorização de residência para nómadas digitais”. Nesse caso, há que mostrar “documentos que atestem a residência fiscal e rendimentos médios mensais nos últimos três meses de valor mínimo equivalente a quatro remunerações mínimas mensais”.