Victor Ferreira, in Público online
Profissões altamente escolarizadas e as não qualificadas são aquelas que mais trabalhadores ganharam na última década. A profissão de vendedor perdeu 9% do efectivo, mas continua a mais numerosa.
O mercado laboral português está a passar por uma polarização em que as profissões altamente escolarizadas e as não qualificadas são aquelas que mais crescem em número de trabalhadores, 24% e 19%, respectivamente. Por outro lado, as estatísticas da Pordata, neste Dia do Trabalhador, mostram que o grupo profissional que perdeu mais pessoas foi o dos trabalhadores qualificados da indústria, construção e artífices. Perdeu mais de 81 mil trabalhadores em dez anos.
Embora certas profissões deste grupo sejam as que têm um maior número de trabalhadores, tanto a indústria como a construção debatem-se com falta de pessoas, um mal geral que atravessa muitas profissões distintas, desde professores a pessoal da hotelaria.
Olhando para os alertas lançados apenas nos últimos dois anos, o sector da construção precisa de encontrar "mais de 70 mil" profissionais, como já veio dizer o presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas, Reis Campos.
A indústria do mobiliário precisa de sangue novo e procura 5000 trabalhadores para contrariar o envelhecimento, as saídas por reforma, a emigração e a falta de interesse por um sector que, em 2022, teve um novo recorde de exportações, superando o anterior, de 2019.
Não se trata de um problema português. Toda a indústria europeia precisa de gente, como o demonstram os números da Comissão Europeia, que, para o sector da moda, projecta a necessidade de encontrar meio milhão de trabalhadores para a próxima década.
O mercado laboral pode ser descrito por grandes grupos profissionais ou por profissões, conforme se pretenda um retrato mais geral de tendências ou uma radiografia mais detalhada à economia, respectivamente. Além disso, pode-se olhar para o peso de cada grupo profissional no mercado laboral, e como é que este evoluiu na última década.
Indústria e construção perdem peso
Desde 2011, a população empregada cresceu 1,5%, tendo acrescentado cerca de 65 mil trabalhadores. Mas os grupos profissionais com mais peso hoje em dia não são exactamente os mesmos de há dez anos.
Em 2011, os mais importantes eram o dos serviços pessoais, de protecção, de segurança e vendedores (com 20% do emprego) e o dos trabalhadores qualificados da indústria, construção e artífices (16%).
Dez anos depois, o dos serviços pessoais, de protecção, de segurança e vendedores continua na frente, mas com menos peso (18% em vez de 20%), depois de perder 42 mil trabalhadores (-5%) na última década. Aqui estão incluídos os assistentes de viagem, cozinheiros, empregados de mesa e bar, cabeleireiros, vendedores, auxiliares de educadores de infância, auxiliares de saúde, agentes da PSP e guardas da GNR, por exemplo.
O segundo grupo mais importante deixou de ser o da indústria, construção e artífices, que valia 16% do emprego em 2011 e agora vale 14%, e passou a ser o das actividades intelectuais e científicas. Ao acrescentar quase 158 mil trabalhadores, este último contingente foi o que mais cresceu, passando de 649 mil trabalhadores para mais de 806 mil.
É um aumento de 24%, graças ao qual iguala o peso no total da população empregada dos serviços pessoais, de protecção, de segurança e vendedores, passando de 15% para os mesmos 18%.
Este grupo dos especialistas das actividades intelectuais e científicas inclui profissões muito diversas, como engenheiros, arquitectos, médicos, profissionais de enfermagem e outros profissionais de saúde, mas também os professores, os especialistas em assuntos jurídicos ou em ciências sociais e religiosas.
Um país de vendedores
Na análise por profissão, a dos vendedores continua a ser a mais numerosa (365 mil pessoas, incluindo vendedores e comerciantes de loja, operadores de caixa e vendedores ao domicílio), apesar de ter perdido 9% da força laboral que tinha em 2011.
Entre as maiores, segue-se a dos empregados de escritório e secretários, que cresceu 9% no mesmo período, para 280 mil. E em terceiro lugar surge a dos trabalhadores qualificados da construção, electricidade e electrónica (que inclui pedreiros, carpinteiros, estucadores, canalizadores, pintores e electricistas, entre outros). Embora sejam menos 12% do que há dez anos, ainda há 273 mil trabalhadores qualificados da construção.
Este é o retrato que se obtém na Pordata separando 4,4 milhões de empregados (à data do último registo censitário, em 2021) pela Classificação Portuguesa das Profissões (de 2010).
Os números do INE, tal como compilados por aquela base de dados, permitem outras conclusões, todas elas evidenciando a clara polarização que há nos ganhos do mercado laboral em torno de dois extremos, o das profissões mais escolarizadas e o das menos qualificadas.
Em termos nominais, os maiores aumentos registaram-se entre trabalhadores não qualificados da indústria e da construção (+51 mil), empregados de escritório e secretários (+23 mil), profissionais de saúde (que não médicos e enfermeiros, com mais 21 mil; neste lote estão médicos dentistas, farmacêuticos, fisioterapeutas, nutricionistas), enfermeiros (+19 mil) e engenheiros (+19 mil).
A produtividade por hora trabalhada em Portugal é 65% da média europeia, a quinta mais baixa do lote de 27 países que integram hoje em dia a UE
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Em percentagem, contudo, os cinco maiores aumentos pertencem às profissões de directores de vendas, marketing e de desenvolvimento de negócios (+73%); outros profissionais de saúde (+65%); arquitectos, urbanistas, agrimensores e designers (+54%); profissionais de enfermagem (+40%) e engenheiros (+30%).
As profissões que mais diminuíram o seu efectivo em termos nominais foram directores e gerentes, do comércio a retalho e por grosso (-42 mil), trabalhadores de limpeza em casas particulares, hotéis e escritórios (-39 mil), vendedores (-36 mil); trabalhadores qualificados da construção, electricidade e electrónica (-36 mil) e os professores (-29 mil).
Em percentagem, as cinco maiores descidas registaram-se nos auxiliares de educadores de infância e de professores (-32%); directores das indústrias transformadoras, extractivas, da construção, transportes e distribuição (-34%); trabalhadores qualificados da impressão, do fabrico de instrumentos de precisão, joalheiros, artesãos e similares (-34%); trabalhadores do tratamento da madeira e cortiça, marceneiros e similares (-40%); e directores e gerentes, do comércio a retalho e por grosso (-64%).
Por sectores, quase meio milhão de pessoas trabalhava no comércio a retalho (461 mil), 348 mil na administração pública, 328 mil na educação, e 277 mil nas actividades de saúde. Em conjunto, estes trabalhadores são um terço do total da mão-de-obra.
Os sectores com maiores perdas nos últimos dez anos são a construção (-68 mil na promoção imobiliária), o comércio (-59 mil no retalho), a educação (-48 mil), a indústria transformadora (-42 mil no vestuário) e alojamento e restauração (-37 mil na restauração).
Técnicos de saúde abaixo da média
Em termos de ganho médio (montante ilíquido recebido por mês, incluindo remuneração de base, horas extras, subsídio de férias ou prémios), os trabalhadores por conta de outrem em empresas ganhavam, em média, 1294 euros. "Face a 2011, é um aumento de 210 euros que, descontado o efeito da inflação, é apenas de 118 euros", refere a Pordata, a propósito da efeméride deste 1 de Maio.
Por grupos profissionais, acima da média ficam os salários de representantes do poder legislativo e de órgãos executivos (+1483 euros); as profissões intelectuais e científicas (+701 euros); os técnicos de nível intermédio (+314 euros), com excepção dos da saúde, que ganham menos 108 euros do que a média nacional.
"Já as profissões mais mal pagas são as de assistente na preparação de refeições (761 euros), trabalhador de limpeza (791 euros) e trabalhador dos cuidados pessoais (818 euros), que incluem os auxiliares de educadores de infância e de professores e auxiliares nos serviços de saúde (auxiliares de saúde e ajudantes familiares)."
Estes níveis de ganhos estão desigualmente distribuídos por sectores, desde o que paga melhor (electricidade, gás e água, cerca de 3000 euros) ao que paga pior (alojamento, restauração e similares, 914 euros). Estão certamente influenciados pela produtividade, que é uma das mais baixas de toda a União Europeia (UE). A produtividade por hora trabalhada em Portugal é 65% da média europeia, a quinta mais baixa do lote de 27 países que integram hoje em dia a UE.