Os municípios serão responsáveis por arrendar forçosamente os apartamentos devolutos. Podem prescindir dessa ferramenta, mas, se o fizerem, ficarão impedidos de aplicar taxas agravadas de IMI.
A decisão sobre o arrendamento forçado de casas devolutas, uma das medidas incluídas no pacote Mais Habitação, vai cair sobre os municípios, que têm o dever de notificar os proprietários dos imóveis em causa e avançar para o seu arrendamento. Os municípios podem prescindir de o fazer, mas, nesse caso, serão penalizados por via fiscal, ficando impedidos de aplicar as taxas agravadas de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) que estão previstas para as casas devolutas.
O arrendamento forçado de habitações devolutas – nome que é dado à medida incluída na proposta de lei relativa ao pacote Mais Habitação, que será discutida na Assembleia da República a 19 de Maio – irá aplicar-se aos apartamentos que tenham sido considerados devolutos há pelo menos dois anos pelas respectivas câmaras municipais e que se encontrem fora de territórios de baixa densidade. Na prática, isto significa que há menos de dez mil imóveis que poderão vir a ser abrangidos por este regime, um número que representa uma pequena fatia das mais de 700 mil casas vazias que existem por todo o país.
Mas a medida continua a ser uma das mais polémicas do pacote legislativo lançado pelo Governo para dar resposta à crise habitacional, merecendo críticas de vários lados, desde as associações representativas dos proprietários até ao Presidente da República, passando por autarcas. Foi o caso, por exemplo, de Filipa Roseta, vereadora da Câmara Municipal de Lisboa com o pelouro da habitação, que já disse que o arrendamento forçado de casas "não vai acontecer" na capital.
A posição dos municípios quanto a esta medida ganha especial relevância tendo em conta o papel que estes terão na aplicação do regime. Segundo a proposta de lei em discussão no Parlamento, terminado o prazo de dois anos depois de um apartamento ter sido considerado devoluto, se nada tiver sido feito para que essa situação seja alterada, os municípios onde essas casas estão localizadas têm a responsabilidade de notificar os proprietários do dever de conservação dos imóveis, avançando para obras coercivas em caso de incumprimento desse dever; ou notificar os proprietários do dever de dar uso ao apartamento, podendo, depois disso, apresentar uma proposta de arrendamento, com um valor de renda que não poderá ultrapassar em 30% os limites que estão previstos no programa de arrendamento acessível.
Se os proprietários recusarem a proposta ou não derem qualquer resposta no prazo de 90 dias, e mantendo-se o imóvel devoluto, os municípios podem avançar para o arrendamento forçado do imóvel. Em alternativa, e caso não pretendam proceder ao arrendamento forçado (e se o mesmo não precisar de obras de conservação), os municípios remetem a informação ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), para que seja este a avançar para o arrendamento dessas casas.
Mas, nesse segundo cenário, os municípios são penalizados. "Quando os municípios prescindam de exercer o poder previsto [de arrendamento forçado do imóvel], cessa a aplicação das taxas agravadas previstas (...) no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis", pode ler-se no regime proposto, que não se aplica às Regiões Autónomas.
O Código do IMI, recorde-se, estabelece que a taxa deste imposto deve variar entre 0,3% e 0,45%, cabendo às câmaras decidir qual a dimensão do imposto que pretendem aplicar. Mas a lei determina, ainda, que os municípios podem aplicar uma taxa agravada – que pode ser elevada até ao triplo do limite geral – sobre os prédios que se encontrem devolutos há mais de um ano ou em ruínas. Isto, se estes imóveis estiverem localizados nas chamadas zonas de pressão urbanística (definidas pelos próprios municípios). Optando por não avançar para o arrendamento forçado de imóveis que cumpram os requisitos para serem abrangidos por esses regimes, as autarquias deixam, então, de poder aplicar estas taxas agravadas.
Municípios "preocupados"
A Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) já se pronunciou, entretanto, sobre esta medida, num parecer acerca da proposta de lei que enviou ao Parlamento. E, para já, não dá nota positiva ao Governo.
Sobre o arrendamento forçado, a associação é clara. "Esta é uma das medidas que, legitimamente, mais preocupam os municípios", começa por referir o parecer da ANMP. "No caso de o município não recorrer ao arrendamento forçado, [o regime proposto] prevê a cessão da aplicação das taxas agravadas de IMI aos prédios devolutos. Penaliza o município pelo não uso de uma suposta prerrogativa, restringindo-o nos seus poderes tributários, ao mesmo tempo que alivia a carga do proprietário infractor", justifica a ANMP.
Assim, a associação considera que este regime só poderá ser "viável" e constituir "uma efectiva mais-valia" para a disponibilização de mais habitação se for uma medida com "expresso carácter de excepcionalidade" e ao qual só se recorrerá em última instância. Ao mesmo tempo, a ANMP pede que o regime se restrinja às áreas de pressão urbanística e que o direito de aplicar taxas agravadas de IMI não seja retirado aos municípios que optem por não aplicar o arrendamento forçado.
Há ainda outras medidas que preocupam os municípios, como as relativas ao alojamento local e outras de carácter fiscal, nomeadamente as isenções de IMI e IMT para a construção de imóveis habitacionais que venham a ser destinados a arrendamento acessível. "Não é admissível a concessão unilateral de isenções automáticas por parte do Estado central relativamente a impostos cuja receita é municipal, sem a justa e devida compensação dos municípios pela perda de receita associada", argumenta a ANMP.
Tudo somado, a associação não dá nota positiva, para já, à proposta do Governo. "A ANMP condiciona a emissão de parecer favorável à resolução das grandes preocupações e questões fundamentais acima expendidas", conclui o parecer.