15.5.23

Preso há 37 anos, recluso inimputável entrou em greve de fome há nove dias

Ana Dias Cordeiro, in Público


Conselho da Europa recomendou fecho da clínica psiquiátrica de Santa Cruz do Bispo por falta de condições para tratamento adequado dos internados.


Ezequiel Costa Ribeiro, preso há 37 anos no Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, entrou em greve de fome no passado dia 4 de Maio, “em protesto pelo elevado tempo de detenção sem vislumbrar alteração do fim da reclusão, assim como pela medicação que lhe tem sido ministrada que lhe provoca grandes perturbações físicas e psíquicas”.

No dia 10, foi transferido do estabelecimento em Matosinhos para o Hospital Prisional São João de Deus em Caxias, no concelho de Oeiras. As informações foram transmitidas ao PÚBLICO por Manuel Almeida dos Santos, presidente da Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos (OVAR), e pelo advogado José Jorge que há 15 dias deu entrada de um terceiro requerimento para que Ezequiel Ribeiro seja transferido para o Hospital Magalhães Lemos, no Porto.

Ainda antes do início da pandemia, há pouco mais de três anos, foram transferidos para uma nova unidade de internamento preparada nesse hospital psiquiátrico no Porto 40 reclusos (dos 158) que estavam a cumprir medidas de internamento enquanto inimputáveis na clínica psiquiátrica do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo.

Essa transferência de apenas uma pequena parte dos inimputáveis de Santa Cruz do Bispo aconteceu depois de várias tomadas de posição contra o Estado português, por parte do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes. A greve de fome é aliás um sinal dado agora por Ezequiel para "denunciar as condições degradantes" do local de reclusão, diz Manuel Almeida dos Santos.

Já o advogado explica por telefone que o seu cliente foi condenado por homicídio, e que agrediu um médico por recusar tomar a medicação em 2002. "É daí a mais recente condenação. A partir daí começou a tomar tudo a horas", acrescenta. Na semana passada, começou a recusar a medicação e, desta vez, também a alimentação.

“O objectivo da greve de fome é ser colocado para tratamento numa unidade hospitalar”, diz José Jorge, que vê a transferência para o Hospital Prisional de Caxias, na passada quarta-feira, como “algo que já é positivo". “Mesmo assim, estamos num ambiente que é de reclusos”, continua. “Mas já vamos ter pareceres de outros médicos.”

Já passaram 37 anos desde a primeira condenação e as medidas de segurança renovadas de dois em dois anos representam “apenas uma das situações” na origem do protesto. “O problema dele é que já cumpriu a pena que tinha que cumprir. Ele já não é um recluso, para a sociedade já pagou o que tinha a pagar.”

A outra situação é ser-lhe negada a possibilidade de ser observado por um médico externo. A relação com os médicos tem-se deteriorado, diz o advogado. “Ele tem-se tornado cada vez mais agressivo relativamente à toma dos medicamentos. Ele verifica que não há melhoras, que o tratamento não está a ajudá-lo a sair dali. Não entende isso. Já não confia na equipa que o trata", acrescenta.

Isso mesmo referiu o advogado no terceiro requerimento a dar entrada (este último há duas semanas) para que pudesse ser vistopor uma equipa externa, como o fizera pela primeira vez há um ano e meio.
Medida "por perigosidade social"

Contactada, a Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), através do gabinete de imprensa, informa que a transferência para Caxias foi decidida “por se considerar ter [este] as condições adequadas ao acompanhamento e cuidados que requer um doente do foro psiquiátrico que recusa alimentar-se”.

Sobre a condição de Ezequiel Ribeiro, diz que “o internado tem mantido os sinais vitais dentro dos parâmetros normais e sem sinais de disfunção orgânica atenta a situação de recusa de ingestão de alimentos”.

A DGRSP esclarece ainda que Ezequiel Ribeiro está a cumprir “medida de segurança de internamento desde Fevereiro de 2005, na Clínica de Psiquiatria e Saúde Mental do Estabelecimento prisional de Santa Cruz do Bispo” e que isso resulta de decisão judicial que o declarou “inimputável, em razão de anomalia psíquica grave, e perigoso, em virtude da gravidade dos factos ilícitos típicos praticados e da forte probabilidade de vir a cometer novos factos de idêntica natureza".

Na resposta por escrito, acrescenta que "esta medida de segurança de internamento, com duração 'mínima judicial de seis anos', tem sido avaliada, de dois em dois anos, pelo Tribunal de Execução das Penas (TEP) do Porto, e que este não concedeu a liberdade pelo facto de o próprio manter 'a perigosidade social', atestada pelas avaliações médico-psiquiátricas, realizadas pelo Instituto Nacional de Medicina Legal”. A próxima revisão do TEP está agendada nova revisão para o próximo dia 29 de Junho.

Manuel Almeida dos Santos que, enquanto presidente da OVAR, recebeu o Prémio dos Direitos Humanos da Assembleia da República em 2018, lembra que, desde 2009, a lei privilegia o internamento em unidade de saúde para inimputáveis, por doença psiquiátrica ou outra. ​

O activista acrescenta que, nos seus relatórios, mais do que uma vez, o Comité para a Prevenção da Tortura do Conselho da Europa (CPT) qualificou “as condições em que os pacientes são mantidos e com o clima prisional que prevalece nesta cadeia" de "chocantes", recomendando que Santa Cruz do Bispo “seja fechado e os pacientes transferidos para uma instalação hospitalar adequada”. Não existem “as condições necessárias para a detenção e tratamento psiquiátrico de doentes e que deveria ser encerrado”, concluiu esta entidade de defesa dos direitos humanos.