Quatro anos de formação, integração em serviços e, no fim, a realidade falha com os seus sonhos: salários baixos para quem tem vidas nas mãos, falta de material, horas noturnas, entre tantos outros motivos levam os jovens a desistir da enfermagem. Bastonária, preocupada com o abandono, admite ser “cada vez mais comum”
Todos os anos milhares de estudantes entram no ensino superior no curso de enfermagem de Norte a Sul do país com um sonho: cerca de quatro anos depois estar a exercer. Mas a realidade é diferente do sonho. Apesar das coisas boas, os salários são baixos para quem tem vidas nas mãos, os horários impossíveis e as perspectivas futuras não existem. Confrontados com esta realidade, muitos jovens apanham um avião para exercer ou acabam por desistir da profissão.
Os protestos não são novos, mas continuam e esta sexta-feira, Dia Internacional do Enfermeiro, dá-se uma nova greve geral de enfermeiros, convocada pelo Sindicato dos Enfermeiros Portugueses. As reivindicações são, entre outras, aumentos salariais, paridade com a Carreira Técnica Superior da Administração Pública, contratação de mais recursos humanos, um sistema de avaliação mais justo, e a possibilidade de reforma mais cedo que o previsto na lei.
SALÁRIOS, TURNOS, REFORMA: UM PONTO DE SITUAÇÃO
Em conversa com o Expresso, a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, revê os que entende serem os principais problemas da profissão:Portugal é dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) que paga pior aos enfermeiros, estando apenas à frente do México, Turquia, Eslováquia e Hungria nos países para os quais há dados disponíveis para 2021;
“Para chegar ao topo da carreira são preciso mais de 100 anos”;
A diferença salarial entre um enfermeiro generalista e um enfermeiro especialista é pequena, podendo não compensar o investimento na especialidade que é feito a 100% pelo enfermeiro (ao contrário do médicos, que têm o internato pago pelo Estado);
Um sistema de avaliação desadequado à profissão;
Os péssimos rácios (7,3 enfermeiros por cada 1000 habitantes, o que compara com 8,3 na União Europeia, segundo os dados da OCDE), que obrigam enfermeiros a fazer muito mais que as 35 horas que deveriam fazer;
A idade da reforma igual à dos restantes portugueses, quando “antigamente era aos 57 anos, a reconhecer o desgaste rápido” de um enfermeiro;
E a falta de material disponível para fazerem bem o seu trabalho.
Os problemas são muitos e os enfermeiros, no geral, não se sentem valorizados. Maria (nome fictício) diz que “há falta de pessoal, péssimo funcionamento interno, não há boa articulação do percurso do doente, como marcação de exames, produtos para seguir para laboratório [demoram], tudo isto ocupa muito daquilo que é a enfermagem”. “Muito trabalho, maus rácios e um sistema arcaico”, acrescentou.
Mariana Forte aponta os mesmos problemas e sublinha: “A sociedade tem uma ideia do enfermeiro de que é aquele que está sempre ao lado da cama a ajudar quando um enfermeiro consegue ser muito mais”. E depois acontece o inevitável, lembra: “Nesta profissão vêem-se muitos burnouts”.
Mas é nos salários que todos os enfermeiros com quem o Expresso contactou que a opinião é sempre unânime. Maria, que para chegar ao hospital onde trabalha tem de apanhar a autoestrada, diz que não gasta menos de um terço do ordenado em portagens e gasóleo. Adicionalmente, trabalha por turnos e, descontando os impostos, às vezes nem chega ao valor bruto do seu ordenado, nem mesmo com fins de semana, noites e feriados.
Ana Rita Cavaco sublinha o facto de os jovens enfermeiros levarem para casa entre 900 e 1000 euros líquidos. E é se falarmos dos trabalhadores do Serviço Nacional de Saúde, “pois se formos para os lares a situação é ainda mais dramática”. Que o diga Paula Costa, de 25 anos, que deixou uma unidade de cuidados continuados para trabalhar num lar, onde se encontra a recibos verdes, a ganhar cerca de 12 euros por hora, reconhecendo que não está mal perante o que costumam ganhar os seus colegas noutros lares (entre oito e 10 euros por hora). “Somos muito mal pagos”, diz.
Tudo isto, tendo vidas nas mãos, relembra Maria.
O PONTO DE EBULIÇÃO
Perante os testemunhos não é difícil perceber que o ponto de ebulição em muitos casos já foi ultrapassado. É o caso de Paula, que se revolta com o facto de haver enfermeiros com mais de dez anos de experiência a ganhar praticamente o mesmo que recém-licenciados.
A enfermeira de 25 anos reconhece que nem sempre quis seguir o ramo da enfermagem e que tinha o ‘bichinho’ da educação. E foi para esse ‘bichinho’ que agora voltou. Encontra-se a tirar uma nova licenciatura, em Educação Básica, e foi quando decidiu dar este passo que saiu da unidade de cuidados continuados, pois como trabalhava por turnos era impossível conciliar com a licenciatura. Agora, no lar, já o consegue fazer.
Mas o que levou Paula a voltar ao seu sonho inicial, mesmo adorando o que faz? “Acho que foi por querer um futuro mais risonho”, responde. E sente que isso é geral entre os seus colegas de curso: “Estava num jantar de colegas de curso, a mesa tinha umas 20 pessoas, 10 enfermeiros e só havia uma colega que ainda estava entusiasmada. Todos eles sentem que não vão ser enfermeiros o resto da vida.”
Paula chegou a essa conclusão cedo e quis aproveitar agora, quando ainda não tem grandes despesas, para mudar de carreira. Contudo, admite que, mesmo que os enfermeiros fossem mais valorizados, provavelmente acabaria por sair da profissão. “Possivelmente ficaria mais anos em enfermagem, mas sendo uma profissão muito desgastante a nível físico e emocional acho que iria sempre haver um limite, não ia aguentar muitos anos”, diz.
Apesar da saída, a enfermeira não quer desligar-se totalmente da área. Já pensou em dar aulas de enfermagem, ou mesmo ser enfermeira numa escola, certo é que “a enfermagem vai estar sempre presente e é também uma rede de segurança onde posso sempre voltar”.
Já Mariana, de 24 anos, foi-se logo apercebendo ao longo da licenciatura que não era o caminho certo para si. “Não é a minha paixão. Não detesto a profissão, só não me preenche”, afirma, referindo que um dos pontos que menos gosta é de trabalhar por turnos.
E a jovem enfermeira até é um caso em poucos. Fora do meio hospitalar, a enfermeira sente-se valorizada na clínica onde trabalha. Mas isso não a impede de estar a tentar seguir outro caminho. Mariana está a fazer o mestrado em Design Management - uma área que pretende mais tarde conciliar com a saúde “para não deitar fora a licenciatura em enfermagem”.
“Eu por um lado gostava de aproveitar o meu mestrado e ter algum impacto dentro da saúde. Por outro lado, para iniciar [a nova carreira] vou querer voltar as costas um bocadinho à enfermagem para respirar fundo, pois para mim foi desafiante terminar um curso que não estava a gostar. Depois talvez voltar com alguma ideia”, declara.
São apenas dois casos - de vários que o Expresso ouviu, e de vários que ambos conhecem -, e a própria bastonária admite que é comum. Todos os problemas “contribuem para que os enfermeiros hoje abandonem muito a profissão”, diz, acrescentando que a própria Organização Mundial de Saúde alertou para este fenómeno, “sobretudo durante a pandemia e depois da pandemia, pois o abandono da enfermagem foi muito visível não só em Portugal, mas noutros países do mundo”.
E Ana Rita Cavaco recorda ainda que, em Portugal há uma “emigração brutal” de enfermeiros, sendo que, desde 2010 até maio de 2023 serão já mais de 26 mil enfermeiros emigrados. A bastonária sublinha que “é cada vez mais mais comum” ver jovens a sair da profissão e que muitos deles, em conversa com a sua representante, queixam-se da falta de pagamento associada à responsabilidade que têm.
Mas, se é cada vez mais comum os enfermeiros abandonarem a sua carreira, vamos ficar sem enfermeiros? Ana Rita Cavaco diz que “em 2030 podemos estar condenados a ficar sem enfermeiros se não houver medidas de fixação” - no fundo, que haja uma resposta aos problemas previamente enunciados.
MAS NEM TODOS DESISTEM (PARA JÁ)
Se uns já se encontram em formação para avançar para outra área, outros dão mais uma oportunidade à enfermagem. É o caso de Maria, que ainda não quer desistir a 100% da enfermagem. “Eu quero sair do hospital onde estou, mas vou dar uma oportunidade à enfermagem de outra forma, vou sair de meio hospitalar. Queria deixar de fazer noites pois tenho imensa dificuldade em regularizar os meus sonos e acho que isso me trazia alguma estabilidade”, nota, relembrando que, na semana em que fala com o Expresso, vai terminar com 60 horas de trabalho em cima.
“Eu gosto muito daquilo que faço, mas não sou feliz por estar a perder momentos muito importantes. E no futuro, sei que para muitas pessoas resulta ter filhos e trabalhar por turnos, mas não é isso que quero para a minha futura família”, declara.
E se uns pensam em desistir, outros aguentaram uma vida inteira. Ana (nome fictício), de 40 anos, já tem 17 anos de carreira em meio hospitalar e passou por todos os problemas enunciados pelas jovens enfermeiras e pela bastonária. Apesar de nem sempre ter querido ser enfermeira, apaixonou-se quando começou a trabalhar e, desde então, já pensou em desistir, “mas ia ficar muito triste”. Pensou, inclusive, “em ir para farmácia, mas não seria o mesmo”.
Contudo, compreende, em parte, o porquê dos jovens se sentirem desvalorizados e de desistirem: “a realidade do ordenado não é o que se pensava”; “o contacto com a realidade pode ser desgastante”; “as infraestruturas são miseráveis”; fazer turnos noturnos não é valorizado; e não há grande perspectivas de futuro, ainda que esteja “um pouco melhor, com o decreto-lei que foi aprovado em novembro passado”. Além do mais, nota que “antigamente as coisas eram um bocadinho mais dinâmicas, os doentes estavam mais instáveis, tinham outro tipo de patologias e agora há muitos cuidados paliativos, está um bocadinho mais pesado”.
“Nós perdemos muita vida familiar, muitas oportunidades”, relembra, à semelhança do lamento de Maria.
Todos os anos milhares de estudantes entram no ensino superior no curso de enfermagem de Norte a Sul do país com um sonho: cerca de quatro anos depois estar a exercer. Mas a realidade é diferente do sonho. Apesar das coisas boas, os salários são baixos para quem tem vidas nas mãos, os horários impossíveis e as perspectivas futuras não existem. Confrontados com esta realidade, muitos jovens apanham um avião para exercer ou acabam por desistir da profissão.
Os protestos não são novos, mas continuam e esta sexta-feira, Dia Internacional do Enfermeiro, dá-se uma nova greve geral de enfermeiros, convocada pelo Sindicato dos Enfermeiros Portugueses. As reivindicações são, entre outras, aumentos salariais, paridade com a Carreira Técnica Superior da Administração Pública, contratação de mais recursos humanos, um sistema de avaliação mais justo, e a possibilidade de reforma mais cedo que o previsto na lei.
SALÁRIOS, TURNOS, REFORMA: UM PONTO DE SITUAÇÃO
Em conversa com o Expresso, a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, revê os que entende serem os principais problemas da profissão:Portugal é dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) que paga pior aos enfermeiros, estando apenas à frente do México, Turquia, Eslováquia e Hungria nos países para os quais há dados disponíveis para 2021;
“Para chegar ao topo da carreira são preciso mais de 100 anos”;
A diferença salarial entre um enfermeiro generalista e um enfermeiro especialista é pequena, podendo não compensar o investimento na especialidade que é feito a 100% pelo enfermeiro (ao contrário do médicos, que têm o internato pago pelo Estado);
Um sistema de avaliação desadequado à profissão;
Os péssimos rácios (7,3 enfermeiros por cada 1000 habitantes, o que compara com 8,3 na União Europeia, segundo os dados da OCDE), que obrigam enfermeiros a fazer muito mais que as 35 horas que deveriam fazer;
A idade da reforma igual à dos restantes portugueses, quando “antigamente era aos 57 anos, a reconhecer o desgaste rápido” de um enfermeiro;
E a falta de material disponível para fazerem bem o seu trabalho.
Os problemas são muitos e os enfermeiros, no geral, não se sentem valorizados. Maria (nome fictício) diz que “há falta de pessoal, péssimo funcionamento interno, não há boa articulação do percurso do doente, como marcação de exames, produtos para seguir para laboratório [demoram], tudo isto ocupa muito daquilo que é a enfermagem”. “Muito trabalho, maus rácios e um sistema arcaico”, acrescentou.
Mariana Forte aponta os mesmos problemas e sublinha: “A sociedade tem uma ideia do enfermeiro de que é aquele que está sempre ao lado da cama a ajudar quando um enfermeiro consegue ser muito mais”. E depois acontece o inevitável, lembra: “Nesta profissão vêem-se muitos burnouts”.
Mas é nos salários que todos os enfermeiros com quem o Expresso contactou que a opinião é sempre unânime. Maria, que para chegar ao hospital onde trabalha tem de apanhar a autoestrada, diz que não gasta menos de um terço do ordenado em portagens e gasóleo. Adicionalmente, trabalha por turnos e, descontando os impostos, às vezes nem chega ao valor bruto do seu ordenado, nem mesmo com fins de semana, noites e feriados.
Ana Rita Cavaco sublinha o facto de os jovens enfermeiros levarem para casa entre 900 e 1000 euros líquidos. E é se falarmos dos trabalhadores do Serviço Nacional de Saúde, “pois se formos para os lares a situação é ainda mais dramática”. Que o diga Paula Costa, de 25 anos, que deixou uma unidade de cuidados continuados para trabalhar num lar, onde se encontra a recibos verdes, a ganhar cerca de 12 euros por hora, reconhecendo que não está mal perante o que costumam ganhar os seus colegas noutros lares (entre oito e 10 euros por hora). “Somos muito mal pagos”, diz.
Tudo isto, tendo vidas nas mãos, relembra Maria.
O PONTO DE EBULIÇÃO
Perante os testemunhos não é difícil perceber que o ponto de ebulição em muitos casos já foi ultrapassado. É o caso de Paula, que se revolta com o facto de haver enfermeiros com mais de dez anos de experiência a ganhar praticamente o mesmo que recém-licenciados.
A enfermeira de 25 anos reconhece que nem sempre quis seguir o ramo da enfermagem e que tinha o ‘bichinho’ da educação. E foi para esse ‘bichinho’ que agora voltou. Encontra-se a tirar uma nova licenciatura, em Educação Básica, e foi quando decidiu dar este passo que saiu da unidade de cuidados continuados, pois como trabalhava por turnos era impossível conciliar com a licenciatura. Agora, no lar, já o consegue fazer.
Mas o que levou Paula a voltar ao seu sonho inicial, mesmo adorando o que faz? “Acho que foi por querer um futuro mais risonho”, responde. E sente que isso é geral entre os seus colegas de curso: “Estava num jantar de colegas de curso, a mesa tinha umas 20 pessoas, 10 enfermeiros e só havia uma colega que ainda estava entusiasmada. Todos eles sentem que não vão ser enfermeiros o resto da vida.”
Paula chegou a essa conclusão cedo e quis aproveitar agora, quando ainda não tem grandes despesas, para mudar de carreira. Contudo, admite que, mesmo que os enfermeiros fossem mais valorizados, provavelmente acabaria por sair da profissão. “Possivelmente ficaria mais anos em enfermagem, mas sendo uma profissão muito desgastante a nível físico e emocional acho que iria sempre haver um limite, não ia aguentar muitos anos”, diz.
Apesar da saída, a enfermeira não quer desligar-se totalmente da área. Já pensou em dar aulas de enfermagem, ou mesmo ser enfermeira numa escola, certo é que “a enfermagem vai estar sempre presente e é também uma rede de segurança onde posso sempre voltar”.
Já Mariana, de 24 anos, foi-se logo apercebendo ao longo da licenciatura que não era o caminho certo para si. “Não é a minha paixão. Não detesto a profissão, só não me preenche”, afirma, referindo que um dos pontos que menos gosta é de trabalhar por turnos.
E a jovem enfermeira até é um caso em poucos. Fora do meio hospitalar, a enfermeira sente-se valorizada na clínica onde trabalha. Mas isso não a impede de estar a tentar seguir outro caminho. Mariana está a fazer o mestrado em Design Management - uma área que pretende mais tarde conciliar com a saúde “para não deitar fora a licenciatura em enfermagem”.
“Eu por um lado gostava de aproveitar o meu mestrado e ter algum impacto dentro da saúde. Por outro lado, para iniciar [a nova carreira] vou querer voltar as costas um bocadinho à enfermagem para respirar fundo, pois para mim foi desafiante terminar um curso que não estava a gostar. Depois talvez voltar com alguma ideia”, declara.
São apenas dois casos - de vários que o Expresso ouviu, e de vários que ambos conhecem -, e a própria bastonária admite que é comum. Todos os problemas “contribuem para que os enfermeiros hoje abandonem muito a profissão”, diz, acrescentando que a própria Organização Mundial de Saúde alertou para este fenómeno, “sobretudo durante a pandemia e depois da pandemia, pois o abandono da enfermagem foi muito visível não só em Portugal, mas noutros países do mundo”.
E Ana Rita Cavaco recorda ainda que, em Portugal há uma “emigração brutal” de enfermeiros, sendo que, desde 2010 até maio de 2023 serão já mais de 26 mil enfermeiros emigrados. A bastonária sublinha que “é cada vez mais mais comum” ver jovens a sair da profissão e que muitos deles, em conversa com a sua representante, queixam-se da falta de pagamento associada à responsabilidade que têm.
Mas, se é cada vez mais comum os enfermeiros abandonarem a sua carreira, vamos ficar sem enfermeiros? Ana Rita Cavaco diz que “em 2030 podemos estar condenados a ficar sem enfermeiros se não houver medidas de fixação” - no fundo, que haja uma resposta aos problemas previamente enunciados.
MAS NEM TODOS DESISTEM (PARA JÁ)
Se uns já se encontram em formação para avançar para outra área, outros dão mais uma oportunidade à enfermagem. É o caso de Maria, que ainda não quer desistir a 100% da enfermagem. “Eu quero sair do hospital onde estou, mas vou dar uma oportunidade à enfermagem de outra forma, vou sair de meio hospitalar. Queria deixar de fazer noites pois tenho imensa dificuldade em regularizar os meus sonos e acho que isso me trazia alguma estabilidade”, nota, relembrando que, na semana em que fala com o Expresso, vai terminar com 60 horas de trabalho em cima.
“Eu gosto muito daquilo que faço, mas não sou feliz por estar a perder momentos muito importantes. E no futuro, sei que para muitas pessoas resulta ter filhos e trabalhar por turnos, mas não é isso que quero para a minha futura família”, declara.
E se uns pensam em desistir, outros aguentaram uma vida inteira. Ana (nome fictício), de 40 anos, já tem 17 anos de carreira em meio hospitalar e passou por todos os problemas enunciados pelas jovens enfermeiras e pela bastonária. Apesar de nem sempre ter querido ser enfermeira, apaixonou-se quando começou a trabalhar e, desde então, já pensou em desistir, “mas ia ficar muito triste”. Pensou, inclusive, “em ir para farmácia, mas não seria o mesmo”.
Contudo, compreende, em parte, o porquê dos jovens se sentirem desvalorizados e de desistirem: “a realidade do ordenado não é o que se pensava”; “o contacto com a realidade pode ser desgastante”; “as infraestruturas são miseráveis”; fazer turnos noturnos não é valorizado; e não há grande perspectivas de futuro, ainda que esteja “um pouco melhor, com o decreto-lei que foi aprovado em novembro passado”. Além do mais, nota que “antigamente as coisas eram um bocadinho mais dinâmicas, os doentes estavam mais instáveis, tinham outro tipo de patologias e agora há muitos cuidados paliativos, está um bocadinho mais pesado”.
“Nós perdemos muita vida familiar, muitas oportunidades”, relembra, à semelhança do lamento de Maria.