Raquel Martins, in Público
A remuneração média aumentou 7,4% no primeiro trimestre, mas nem todos ganharam poder de compra. Enquanto o sector privado teve aumentos reais (0,3%), na função pública a perda foi de 2,5%.
Depois das perdas registadas no ano passado, o primeiro trimestre de 2023 traz sinais de alguma recuperação do poder de compra dos salários, principalmente em sectores com escassez de mão-de-obra e onde predomina o salário mínimo, como o alojamento e a restauração, o comércio ou a construção. Já na função pública, os trabalhadores continuam a ver o seu salário real recuar.
Esta é uma das conclusões que se pode retirar dos dados divulgados nesta quinta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), tendo por base a informação relativa a 4,5 milhões de beneficiários da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações.
A remuneração bruta total mensal média por trabalhador (que inclui subsídios de férias e de Natal) passou de 1262 euros, no primeiro trimestre de 2022, para 1355 euros, no arranque de 2023. Trata-se de um aumento nominal de 7,4%, superior à subida de 4,5% registada no trimestre anterior.
Tendo em conta que, no primeiro trimestre, a inflação foi de 8%, esse aumento traduziu-se numa perda de poder de compra de 0,6%. Trata-se, ainda assim, de um abrandamento face às perdas que se verificaram em Março de 2022, quando os salários reais caíram 1,7%, e no final do ano passado (-4,9%).
Quando se olha para a evolução dos salários por sector institucional, percebe-se que ela não foi igual para todos os trabalhadores. Enquanto na função pública o acréscimo homólogo de 5,4% (para 1765 euros) foi insuficiente para estancar a perda de poder de compra (de -2,5%), no sector privado a remuneração total teve uma variação homóloga de 8,3% (para 1274 euros), permitindo um ganho real de 0,3%.
Os ganhos de poder de compra foram mais expressivos nas actividades onde a falta de mão-de-obra mais se tem feito sentir ou onde predomina o salário mínimo.
Exemplo disso é o sector do alojamento, restauração e similares, onde o salário mínimo é a norma. A remuneração bruta total teve um aumento de 10% (para 934 euros) e um ganho real de 1,9%, só ultrapassado pelas actividades de organismos internacionais (aumento nominal de 13,2% e real de 4,8%) e pelo sector da electricidade, gás e vapor (subida nominal de 12,2% e real de 3,9%), ambos com um reduzido número de trabalhadores.
O sector do comércio (com aumentos nominais de 8,8% e reais de 0,8%), com elevada incidência do salário mínimo, assim como a construção (aumento nominal de 8,5% e real de 0,5%) também estão entre os oito sectores que tiveram ganhos de poder de compra.
Nos restantes 11 sectores analisados, os trabalhadores viram o seu salário estagnar (nas actividades de informação e comunicação) ou continuar a encolher face à inflação, com particular destaque para a Administração Pública, Defesa e Segurança Social (-4,1%) e para as actividades financeiras e de seguros (-3,6%).
João Cerejeira, economista e professor na Universidade do Minho, destaca os factores que, na sua perspectiva, estão a “puxar” pelos salários: o aumento do salário mínimo (que em 2023 teve uma subida de 7,8%, para 760 euros brutos mensais), a escassez de trabalhadores em alguns sectores e o aumento do emprego.
“A evolução dos salários em alguns sectores tem a ver com decisões do Governo”, adianta. Mas se a decisão de aumento do salário mínimo pode justificar a subida das remunerações na restauração e alojamento e na construção, já as actualizações salariais na Administração Pública que ficaram abaixo da média reflectem-se em perdas do poder de compra, exemplifica.
Por outro lado, a falta de mão-de-obra em algumas áreas e o aumento do emprego – nas actividades ligadas ao turismo teve um acréscimo de 13,5% – também acabam por se traduzir em aumentos para os trabalhadores; enquanto noutras áreas, como a da electricidade e gás, as subidas podem ser o resultado da actualização das tabelas salariais nos contratos colectivos.
Aumentos ainda reflectem inflação de 2022
O economista alerta ainda que se pode estar a assistir a um desfasamento entre a inflação, que está a recuar no arranque do ano de 2023, e os seus reflexos na tabela salarial.
“A evolução das tabelas salariais deste ano, pelo menos neste primeiro trimestre, é muito influenciada pelo valor da inflação de 2022. Se no ano passado tivemos uma perda de real de poder de compra, este ano até podemos ter alguma recuperação, caso os aumentos tenham como referência a inflação de 2022, até porque a inflação em 2023 está a abrandar”, sublinha.
Já Ricardo Paes Mamede, economista e professor no ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, lamenta que não haja dados por profissão e por qualificação que permitam fazer uma análise sobre as razões para esta evolução dos salários.
Na perspectiva deste economista, ainda é cedo para se perceber se os dados agora divulgados terão uma evolução semelhante no resto do ano.
Estes dados, nota, “podem ainda ser pouco relevantes, porque o início de 2022 foi marcado pela pandemia e pelo início da guerra na Ucrânia e pode ter havido menor pressão para aumentar salários e uma retracção nas contratações”.
“Suspeito que os valores que temos para o primeiro trimestre não se vão reflectir ao longo do ano, porque houve aumentos salariais que tiveram lugar em 2022 que só se vão traduzir nas estatísticas mais adiante e, aí, ao compararmos com o que está a acontecer este ano, podemos chegar à conclusão de que, afinal, não houve aumentos tão significativos", frisa.
Apesar destas ressalvas, Paes Mamede reconhece que os números “parecem boas notícias”. “Em alguns sectores o aumento do salário mínimo é muito relevante e pode explicar uma parte [do aumento da remuneração total bruta], outra parte pode ser efeito da falta de mão-de-obra”, sublinha.
No destaque agora publicado, o INE chama a atenção para o facto de o indicador relativo à remuneração bruta mensal média por trabalhador corresponder ao rácio entre o somatório do volume de remunerações pago pelas empresas e o total de trabalhadores nessas empresas. Por isso, a sua evolução reflecte variações no volume das remunerações pagas (como bónus, subsídio de férias ou trabalho suplementar), mas também no número de trabalhadores e na sua composição, sobretudo em termos de características não observadas nesta base de dados (tempo parcial versus tempo completo, o nível de escolaridade, a profissão, a antiguidade ou as horas trabalhadas).