Carla Aguiar, Lionel Balteiro, in Diário de Notícias
Entrevista. O presidente do IDT vai contratar mais IPSS para administrar metadona e defende as máquinas automáticas para trocar seringas nas prisões. Para João Goulão, o balanço da substituição de heroína por metadona é "muito positivo". Mais de 60% dos toxicodependentes que vão ao IDT trabalham ou estudam
Disse há poucos dias que já não está certo da necessidade das salas de chuto. O que mudou para justificar este volte-face?
As salas de consumo assistido dirigem-se às franjas mais desorganizadas dos toxicodependentes. É uma forma de os acompanhar e, quando possível, encaminhá-los para o tratamento e reduzir as doenças infecto-contagiosas. O que acontece é que, apesar da disponibilidade inicial da Câmara de Lisboa (CML), a situação de impasse que se viveu na gestão da autarquia foi arrastando o processo. E foram surgindo outras respostas, como o alargamento das equipas de rua e melhor articulação com as equipas de tratamento do IDT. Os destinatários estão a ser absorvidos, retirando espaço às salas de chuto. Em 2007 tivemos mais 1400 em programas.
Ainda este ano as salas de chuto foram defendidas por si e pela CML...
Mas hoje não é uma imprescindibilidade, como há cinco anos. Penso que, se houver condições para alargar as respostas, a muito breve trecho teremos a quase totalidade dos toxicodependentes enquadrados em programas dos serviços de saúde.
E vai haver mais apoios?
Sim. Ainda agora estamos a abrir um concurso público, destinado a IPSS, para acompanhar um programa de substituição (de heroína por metadona) a 1220 pessoas da rua. Não temos tido capacidade de recrutar técnicos. Mas vamos recorrer a outsorcing.
A desistência das salas de chuto não será uma questão política? No Porto, o presidente Rui Rio já disse que não aceitaria. E em Lisboa deixou de ser prioritário?
Acho que a CML confia no diagnóstico do IDT. Agora até teríamos apoio político para avançar. Mas é uma questão de honestidade. Já não faz tanto sentido, encontramos outras respostas. Até haveria apoio do Governo.
Porque defende o alargamento a nível nacional do programa de troca de seringas, apesar de nenhum detido ter aderido?
A polémica tem sido polarizada em Portugal como se as salas de chuto ou a troca de seringas tivessem uma marca da esquerda. Mas em Espanha estas mesmas medidas avançaram no Governo Aznar, mantêm-se e com bons resultados. O grupo de trabalho encarregado desta questão recomendou a transposição para o meio prisional do programa existente em meio livre "diz não a uma seringa em segunda mão". É a medida que mais impacto teve na redução de doenças infecto-contagiosas. Defendo que os detidos são condenados à perda de liberdade, não à morte, por doenças. Por isso achamos que mesmo com algumas alterações, ele deve manter-se e alargar-se a outras prisões. Eu gostaria de acreditar que nenhum detido trocou uma seringa usada por uma nova porque não há ninguém a injectar. Mas isso não é razoável.
Perante este cenário, o que vai fazer?
Quando à forma de fazer, não estou em condições de dizer pessoalmente, as propostas avançaram para as tutelas. A hipótese de utilização de máquinas, em que se coloca uma seringa usada e sai uma nova, parece-me uma possibilidade, mas estou disponível para discutir com os meus parceiros do grupo de trabalho. Não há soluções ideais: todas têm aspectos positivos ou negativos. Se, por um lado, as máquinas têm a vantagem de evitar o constrangimento de terem de identificar-se, por outro lado, não permitem que o contacto com o pessoal de saúde os convença a tratar--se. Ter técnicos de fora também pode ser uma solução a estudar.
O receio dos guardas prisionais de a seringa ser usada como uma arma é fundado?
O risco de uma seringa infectada com este sistema é muito menor, mas não posso escamotear que a seringa pode, de facto, ser usada como um arma.
O que se está a fazer para evitar que entre droga nas prisões?
É uma realidade muito difícil de combater, porque desde a velhinha que no lenço enrolado à cabeça leva um "miminho" que sabe que faz falta a quem vai visitar, ou da passagem de um pacotinho de pó na boca através de um beijinho, há de tudo e é muito difícil de detectar. Há máquinas de detecção eficazes, mas difíceis de implementar em toda a rede.
Não há cães nem dessas máquinas em nenhuma prisão portuguesa?
Que eu conheça, não.
Qual é a percentagem dos utentes dos CAT que saem curados?
É difícil medir o que é estar curado. Se o que pretendemos medir é a quantidade de pessoas que uma vez integradas num programa terapêutico são capazes de levar uma vida profissional e afectiva normal, os resultados dos programas de substituição são significativos, com uma eficácia à volta dos 60%.
Diz que 60% dos que estão em metadona podem manter emprego ou família?
Perfeitamente. Tal como quem recorre a uma comunidade terapêutica, onde permanece um ano, tem 50% de hipótese de reorganizar a sua vida e não recair. Mas há várias populações de toxicodependentes, nem todos são sem-abrigo. Contrariamente ao que se pensa, mais de 60% das pessoas que nos procuram trabalham ou estudam.
Mas muitas destas pessoas ficam anos dependentes de metadona...
Mas ficam dependentes de um medicamento e não de uma droga. Qualquer medicamento pode ser uma droga se for usado fora do contexto terapêutico. Não me incomoda particularmente que uma pessoa fique a tomar metadona ad eternum, desde que os objectivos de uma vida equilibrada sejam atingidos. Provoca dependência biológica, mas é compatível com uma vida equilibrada e, em muitos casos, é possível pensar na libertação dessa dependência. Um grande número dos clientes das unidades de desabituação, para a heroína, estána desabituação de metadona.
Há muitos utentes que fazem metadona e continuam a consumir outras drogas...
Obviamente não posso negar algumas situações. Nuns casos correrá melhor, noutros, pior. Mas, no geral, há um acompanhamento adequado e são feitas análises.