Nelson Morais, in Jornal de Notícias
Ex-ministro PS assume desalinhamento com Sócrates no que diz respeito à aposta nas obras públicas
Daniel Bessa, ex-ministro da Economia do socialista António Guterres, defendeu, esta quarta-feira, que o Governo deve dirigir o grosso dos investimentos para as exportações, em prejuízo das grandes obras públicas que vêm sendo anunciadas.
"Temos de parar para pensar", sugeriu o economista, como orador principal de uma conferência do Millennium BCP, nos arredores de Coimbra, sem destrinçar as obras que devem ser adiadas - entre os projectos do aeroporto em Alcochete, do TGV ou de novas auto-estradas.
Numa conferência que juntou mais de meio milhar de funcionários e clientes deste banco, Daniel Bessa começou por confessar que não queria incomodar o Governo de José Sócrates, que já vem enfrentado a oposição do PSD a investimentos públicos "faraónicos". Mas voltaria a vincar a sua posição política, em resposta a uma questão da plateia. "Sei que não estou muito em linha com o Governo", declarou.
A opção de Daniel Bessa é a sua resposta ao que considera ser "o facto mais crítico da economia portuguesa": o país importa muito mais do que exporta e a diferença equivale a 10% do Produto Interno Bruto (PIB), o que o obriga a sobre-endividar-se no estrangeiro, para pagar aquela factura. Há 17 mil milhões de euros, por ano, que "saem mesmo da Banca portuguesa" e vão direitos aos bancos estrangeiros, contabilizou.
Acresce, no actual contexto de recessão internacional, que parece resolvido o défice de confiança dos cidadãos nos bancos, mas não o da confiança entre bancos, sobretudo, de países diferentes: "Os [movimentos] interbancários continuam em muito mau estado", frisou Daniel Bessa.
O ex-ministro acrescentou que a garantia de 20 mil milhões que o Governo deu à banca nacional foi uma boa medida, para esta conseguir dinheiro emprestado no estrangeiro, mas frisou que ela não dura para sempre e, em breve, "teremos de ouvir mais notícias do Estado português"...
Por isso, Daniel Bessa considerou ser "tempo de olhar para as debilidades estruturais", e defendeu que a economia portuguesa só ultrapassará a crise, se conseguir diminuir o défice das transações correntes. "Precisamos, como de pão para a boca, de pôr dinheiro em coisas que exportem", insistiu Daniel Bessa.
As obras públicas, em sua opinião, até podem ser feitas por empresas portuguesas e ter um "conteúdo importado" de pequena dimensão, mas não invertem a tendência do endividamento no exterior. Já o apoio a empresas que queiram apostar nas exportações pode passar, num primeiro momento, pela importação de maquinaria, por exemplo, mas acabará por equilibrar a balança comercial e dispensar os bancos de se endividarem tanto, junto de congéneres estrangeiros.
De resto, o economista Daniel Bessa frisou que "o nó górdio desta crise continua no sistema financeiro". O antigo ministro começara justamente por observar que a actual crise "é diferente das outras", porque "deixou a própria banca em condições de não se poder financiar", para concluir que, "se o dinheiro não circular no sistema financeiro, a crise não se resolve".