Helena Norte, in Jornal de Notícias
Há 60 anos, Portugal vivia sob uma ditadura. Não havia liberdade política, a censura escrutinava o que se lia e via, não se falava em pedofilia ou em direitos das minorias e a violência contra mulheres e crianças era socialmente aceitável.
Os avanços sociais e de cidadania das últimas décadas são inegáveis, mas falar de direitos humanos não perdeu actualidade. Porque se é verdade que, na essência, todos os princípios fundamentais estão consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), a evolução civilizacional obriga a uma maior clarificação dos direitos concretos e, acima de tudo, a uma maior vigilância das práticas.
Não há estatísticas rigorosas sobre o número de crianças maltratadas em Portugal, mas, cruzando dados de várias fontes, o retrato é dramático: cerca de sete mil casos denunciados à Associação de Apoio à Vítima entre 2000 e 2007, aproximadamente dois mil menores institucionalizados por maus-tratos físicos, um em dez menores sofre abusos, segundo estimativas internacionais. Os casos sucedem-se, chocam e são esquecidos, alerta a presidente executiva do Instituto de Apoio à Criança.
O "superior interesse da criança" ainda está por concretizar em Portugal, não obstante os avanços operacionalizados nos últimos anos, considera Dulce Rocha, que apresentou ao Parlamento uma proposta legislativa no sentido de garantir a preservação das relações afectivas, e não apenas dos laços biológicos, da criança.
"Os direitos sociais, económicos e culturais são hoje reconhecidos como fundamentais para o desenvolvimento integral. As crianças que vivem com carências de habitação, sem acesso à educação e à saúde estão a ser violados nos seus direitos humanos", denuncia.
"A violência doméstica é um atentado à dignidade das vítimas, que são sobretudo mulheres, pelo que é claramente uma violação dos direitos humanos", defende a presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG).
Desde 2000 que a violência doméstica é crime público, desafiando a regra social "entre marido e mulher não metas a mulher". O fenómeno adquiriu maior visibilidade, traduzindo-se em mais denúncias e condenações. Mais recentemente, o conceito de violência conjugal foi alargado aos maus-tratos perpetrados por ex-cônjuges e namorados - calcula-se que haja violência num quarto das relações de namoro. "A Europa e Portugal têm dos quadros legislativos mais avançados do Mundo. O problema persiste ao nível das práticas."
As mulheres portuguesas são também discriminadas no trabalho: por iguais funções ganham, em média, menos 20% do que os homens e têm menos oportunidades de promoções.
A conciliação entre vida pessoal e familiar com as crescentes exigências da carreira é dos maiores desafios dos trabalhadores de hoje. Depois de décadas de luta pela diminuição das jornadas laborais, assiste-se, nos últimos anos, a um aumento encapotado dos horários e, consequentemente, a uma diminuição das retribuições, sublinha Carvalho da Silva.
Para o coordenador da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses, "o tempo que o cidadão se dispõe a trabalhar, a troco de um salário, tem de ser rigorosamente respeitado, porque põe em causa outros direitos, como o de estar com a família e de participação cívica. Neste campo, registam-se grandes retrocessos".
Livre circulação, trabalhar legalmente e viver com a família - direitos que diariamente negados a milhares de cidadãos imigrantes. "Trabalham sem direitos e não existem enquanto cidadãos, o que os exclui de todos os direitos fundamentais", acusa Paulo Mendes, coordenador da Plataforma das Estruturas Representativas das Comunidades de Imigrantes.
"A nova lei de imigração, que abre uma janela de oportunidades ao prever a legalização de quem já trabalha, traduziu-se, na prática, num bloqueio das autorizações de residência ", denuncia o activista dos direitos dos imigrantes.