João Ramos de Almeida, in Jornal Público
Os indicadores divulgados pelo INE apontam para uma quebra da actividade. O investimento cai, as exportações abrandam, o emprego desce. Se o quarto trimestre mantiver a tendência, confirma-se o cenário
A economia portuguesa deverá entrar em recessão no final do ano, em resultado do andamento das principais economias internacionais. As contas nacionais divulgadas ontem pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) adensam este risco ao revelarem que no terceiro trimestre a economia recuou 0,1 por cento face ao trimestre anterior.
A maioria dos indicadores revelados pelo INE estão a desacelerar e, como tal, aumenta a probabilidade de também no quarto trimestre se registar uma contracção da economia, que, assim, entrará em recessão técnica (dois trimestres negativos consecutivos).
As contas divulgadas pelo INE revelam que a actividade económica cresceu 0,6 por cento no terceiro trimestre face ao mesmo período de 2007. Ou seja, menos 0,1 pontos do que o verificado no segundo trimestre. Mas esta estabilidade pode ser ilusória já que este crescimento ficou a dever-se, sobretudo, à aceleração do consumo privado (de um por cento no segundo trimestre para 2,3 por cento no terceiro). Como se refere na nota do INE, esta subida "poderá estar influenciada" pela redução em Julho da taxa normal do IVA de 21 para 20 por cento. Ou seja, o anúncio da descida do imposto ainda no segundo trimestre terá levado os consumidores a adiar compras, empolando o consumo no terceiro trimestre. Caso o consumo tivesse registado a taxa de crescimento do segundo trimestre, a economia portuguesa teria registado no terceiro trimestre uma quebra de 0,2 por cento face ao mesmo período de 2007.
Ontem, o próprio governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, que começou por negar uma conjuntura de recessão técnica - acabou por admitir como provável que a economia mergulhe nessa recessão no final do ano (ver caixa).
Os números do consumo privado surgem, aliás, em contraciclo com o resto da actividade económica e da evolução do próprio emprego. O terceiro trimestre ficou marcado pela quebra de quase todas as variáveis económicas. E mesmo com a aceleração do consumo, a procura interna manteve a desaceleração verificada desde o primeiro trimestre de 2008.
O investimento privado caiu e "foi a componente que mais contribuiu para esta desaceleração" da procura interna. Passou de um crescimento de 3,4 por cento no segundo trimestre para uma quebra de 1,4 no terceiro. Esta evolução explica, por sua vez, o abrandamento das importações de três por cento no segundo trimestre para 1,8 por cento no terceiro.
As exportações continuaram a abrandar e reflectem já o arrefecimento dos principais mercados, ao cair de um crescimento já reduzido de 1,8 por cento no segundo trimestre para 0,7 por cento no terceiro. A procura externa, segundo o INE, manteve a quebra já verificada desde 2007. Até o consumo público se contraiu - diminuiu 0,1 por cento.
E a confirmar esta tendência de desaceleração estiveram os dados divulgados também ontem sobre o comércio internacional e as encomendas das empresas industriais. As exportações para a globalidade do mundo cresceram 4,7 por cento face ao mesmo período de 2007, pouco mais do que o verificado no segundo trimestre. Mas, em compensação, as vendas para a União Europeia encontram-se já em quebra de 0,7 por cento. As novas encomendas para as empresas industriais aumentaram 5,1 por cento, em termos homólogos, mas as vindas dos mercados externos reduziram-se 2,7 por cento.
O mesmo se passa na componente da produção. O volume da actividade da construção reduziu-se 4,2 por cento face a igual período de 2007. No segundo trimestre a quebra tinha sido de 1,6 por cento. Na indústria, verificou-se igualmente uma quebra de actividade - menos 1,3 por cento - "igualmente mais intensa do que a registada no trimestre anterior (menos 1,1 por cento)". Esta evolução segue em linha com os elementos do investimento por sectores. Na construção, registou-se uma "diminuição mais intensa do que no trimestre anterior" - passou de menos 1,9 por cento para menos 4,6 por cento. O investimento em material de transporte caiu ainda mais - de mais 6,1 por cento para menos 14,2 por cento no terceiro. Já o investimento em máquinas e equipamentos cresceu 5,9 por cento, mais 0,6 pontos percentuais do que no segundo trimestre, sem que a nota do INE adiante uma explicação.
O emprego acompanha este cenário e, já corrigido de efeitos sazonais, registou uma travagem no conjunto dos ramos de actividade. Passou de um crescimento de 1,2 por cento no segundo trimestre face a igual período de 2007 para menos 0,2 por cento no terceiro trimestre. E o emprego por conta de outrem registou mesmo uma desaceleração "expressiva" - passou de 1,5 por cento no segundo para 0,3 por cento no terceiro. A subida dos valores do desemprego é já uma realidade em todos os sectores.
Breve ou prolongada?
A nota do INE parece ir contra o que o Governo tem defendido. Primeiro, sustentou-se que a economia portuguesa estaria a resistir à recessão europeia. Depois, face à evolução dos indicadores e a um cenário cada vez mais reservado da conjuntura internacional, o Governo admitiu que o cenário se degradara. Mas, para já, recusa--se a rever o quadro macroeconómico para 2009, que ainda aponta para um crescimento de 0,6 por cento.
Mas os economistas já começaram a admitir uma recessão para breve. A dúvida parece ser mais sobre a sua duração. Por exemplo, o economista Vítor Bento, presidente da SIBS, ouvido pela Lusa, defendeu que "os números não trazem surpresas e apenas confirmam o que as pessoas razoáveis têm dito". "Estamos numa recessão, que irá continuar por algum tempo e que ninguém sabe ainda quanto tempo durará e quão profunda será", acrescentou.
O governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, admitiu ontem que Portugal deverá chegar ao final do ano em recessão técnica, com os últimos dois trimestres do ano a registarem quebras no Produto Interno Bruto (PIB). "No terceiro trimestre tivemos um crescimento negativo. É possível que no quarto [Portugal] também tenha um crescimento negativo", disse Constâncio à saída de um almoço da Câmara do Comércio e Indústria Luso--Espanhola. "Do ponto de vista técnico, significa uma recessão", situação idêntica à que se passa no resto da Europa, acrescentou o governador do Banco de Portugal. "É uma situação, para um pequeno país como Portugal, que [o país] teria grande dificuldade em evitar", acrescentou, referindo que a recessão deverá ser "transitória" e "menor que na Europa". Questionado sobre as previsões para 2009, Constâncio admitiu que um cenário de recessão em Portugal "é uma possibilidade", mas remeteu mais comentários para as previsões económicas que deverão ser divulgadas em Janeiro. Lusa