Ana Fonseca Pereira, in Jornal Público
Plataforma de ONG acusa Governo, Parlamento e media de não cumprirem compromissos assumidos
Há um ano, Portugal organizava uma cimeira que pretendia "virar a página nas relações entre Europa e África". Ontem, o Governo português, o Parlamento, media e organizações da sociedade civil responderam em tribunal pelo que a acusação considerou ser o incumprimento dos objectivos fixados em Dezembro de 2007, num julgamento "simbólico" que escrutinou, entre outros temas, as políticas de imigração e as ajudas ao desenvolvimento.
O Tribunal da Consciência, uma iniciativa que a plataforma "Eu Acuso" promoveu ontem na Gulbenkian, em Lisboa, assumiu uma solenidade próxima de uma sala de audiências e, durante várias horas, advogados de acusação esgrimiram argumentos com a defesa, em torno de sete acusações relativas a outros tantos compromissos assumidos na cimeira UE-África, num "julgamento" presidido pelo juiz desembargador Eurico Reis.
A imigração era apenas um dos tópicos em escrutínio, mas a presença do director do SEF, Jamela Palos, como único representante oficial do Governo (Parlamento e os media estiveram apenas representados por advogados oficiosos), acabou por dar relevo ao tema. A plataforma, que reúne 13 organizações da sociedade civil, acusa Portugal de "não responder às causas estruturais das migrações", não levar em conta "as obrigações de protecção internacional de refugiados" e de, ao abrigo da Directiva de Retorno, se preparar para deter migrantes "por tempo, com fundamento e condições não razoáveis".
Na resposta, Jamela Palos argumentou que as "migrações constituíram uma das grandes prioridades da presidência portuguesa" e que desde a cimeira UE-África Portugal "tem-se empenhado nos compromissos assumidos".
Nos seus argumentos, e mais tarde num comunicado de 47 páginas enviado às redacções, o director do SEF negou que o combate à imigração ilegal ponha em causa os direitos humanos de imigrantes e refugiados e sublinhou que, em vários estados--membros, o prazo de detenção de imigrantes ilegais é superior aos 18 meses previstos pela Directiva de Retorno, acrescentando que Portugal "vai manter as garantias que constam da lei portuguesa", que prevê um período máximo de 60 dias.
No domínio da cooperação, o Governo foi acusado de esquecer os compromissos que assumiu com África, ao reduzir, no Orçamento para 2009, as verbas disponíveis para esta área "em cerca de 20 milhões de euros". O mesmo incumprimento foi apontado na ajuda pública ao desenvolvimento, com a qual tem sido gasto cerca de "0,20 por cento do rendimento nacional", o que "coloca Portugal no penúltimo lugar do comité da OCDE".
A sentença será divulgada esta manhã na Fundação Mário Soares, mas o jornalista David Borges, um dos seis jurados que colaboram com o juiz na elaboração do acórdão, sublinhou ontem que "faltou África no banco dos réus", pois a parceria celebrada em Lisboa envolve tanto a UE como o continente africano "e há assuntos que só os dirigentes africanos podem resolver". Fátima Proença, que assumiu a defesa das organizações da sociedade civil, sublinhou que iniciativas como esta ajudam a mobilizar a opinião pública para os temas do desenvolvimento.