2.12.08

Pobreza envergonhada está a perder a vergonha

Tiago Rodrigues Alves, in Jornal de Notícias

Fome agrava-se, novos pobres aumentam e o próximo ano será pior


As instituições de solidariedade social já se estão a preparar para um ano que se afigura como um dos piores de sempre em termos de carência. O presidente da CNIS alerta mesmo para um preocupante aumento dos sinais de fome.

A chamada pobreza envergonhada está a perder a vergonha. É que, à noite, cada vez mais pessoas da classe média que estão excessivamente endivididas procuram as equipas de apoio aos sem-abrigo para lhes pedir uma refeição, revela o padre Lino Maia, presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS). E, também por causa do excessivo endividamente, está a surgir uma nova classe de carenciados: os novos pobres.

"Os novos pobres são pessoas que têm emprego mas cujo vencimento é insuficiente, está comido à partida por causa das dívidas que contraíram. E estes novos pobres têm vindo a aumentar de número, com sinais de grande preocupação", explica o padre Maia. O pior é que, com todos os sinais que estão à vista, tudo indica que em 2009 o cenário ainda se vai agravar mais.

"Ainda não batemos no fundo da crise. Todos os indicadores levam-me a pensar que o próximo ano vai ser ainda pior do que este", prevê o responsável. De acordo com o presidente da CNIS, "esperam-se tempos bastante difíceis: a crise vai-se agravando, particularmente nas periferias das grandes cidades e nas zonas mais deprimidas do país, com o desemprego e o endividamento excessivo, os sinais de aumento de fome estão a agravar-se".

Este crescimento do número de portugueses em situação de carência tem levado a que as instituições de solidariedade social sejam cada vez mais procuradas para, de alguma forma, auxiliarem as pessoas com necessidades. "Evidentemente, não há capacidade para resover todas as situações para as quais somos solicitados, mas há uma grande abertura por parte das instituições e há sempre alguma agilidade", afirma.

Aliás, à medida que a pobreza aumenta, a importância das instituições de solidariedade social cresce porque elas podem ser fundamentais para ajudar os carentes a ultrapassar estes tempos menos fáceis. Segundo o padre Maia, a CNIS tem vindo a insistir com as várias instituições para que estas se preocupem de facto em estar atentas a casos que lhes cheguem às mãos ou para os quais forem alertadas.

"Está a haver alguma agilidade e sensibilidade por parte das instituições e há algumas que criaram formas extraordinárias de intervenção alargando a prestação de serviços aos não utentes habituais", revela. O presidente exemplificou com dois casos ocorridos no Porto. No primeiro, a Obra Diocesana de Promoção Social organizou cabazes de bens alimentares essenciais que distribuiu por 730 pessoas. No segundo caso, a CARITAS do Porto tem vindo a apoiar famílias carenciadas em material escolar e em cuidados higiénicos e médicos.

Num outro registo, as instituições de solidariedade social tendem a previligiar, na admissão de novos trabalhadores, tanto pessoas que estão desempregados como pessoas de alguma idade que terão dificuldade em aceder a outros postos de trabalho.

Antecipando a vinda de tempos dificeís, a CNIS reúne-se em Congresso Extraordinário, hoje de manhã, em Fátima, para aprovar alterações aos estatutos e preparar o Congresso Nacional que decidirá futuras estratégias de intervenção. Com o mesmo objectivo, também hoje, a secção portuguesa da Rede Europeia Anti Pobreza se irá reunir em Assembleia Geral, no Porto.