20.6.16

Jovens médicos dizem que vão ser obrigados a abandonar o país por "melhores condições"

Alexandra Campos, in Público on-line

Concurso para 338 vagas para centros de saúde está a ser contestado por um grupo de médicos que falam em "injustiças e ilegalidades".
A maior parte das vagas deste concurso é para centros de saúde de Lisboa e Vale do Tejo e do Algarve Rui Gaudêncio

Um grupo de médicos que acabaram a especialidade de medicina geral e familiar e estão candidatar-se ao concurso para 338 vagas em centros de saúde de todo o país contestam a forma como o processo está a decorrer e avisam que há muitos que vão ver-se “obrigados a abandonar as suas famílias, a função pública e mesmo o país em busca de melhores condições laborais”.

Os médicos, que pedem para não ser identificados, afirmam que “a classe está a enfrentar um fenómeno semelhante ao que aconteceu há anos com os enfermeiros e mais recentemente com os professores” e alertam que este concurso – que foi anunciado recentemente pelo Governo como uma forma célere de dar médico de família a mais de 600 mil pessoas – vai ter um efeito perverso, resultando “num aumento de carências, em vez de as resolver”. “Entramos num concurso de selecção de uma vaga de formação regional para sermos candidatos a uma vaga de colocação nacional, o que nunca aconteceu no passado. Os exames de especialidade foram um perfeito descalabro, elaborados literalmente em cima do joelho”, criticam.

O concurso para a contratação de 338 médicos que terminaram em Abril o internato de especialidade e agora se candidatam para os locais mais carenciados do país está a decorrer desde quinta-feira e foi organizado em moldes diferentes do que era habitual. É de âmbito nacional (antes os concursos eram regionais ou com júris nas cinco regiões de saúde do país) e desta vez foi dispensada a realização de entrevista, tornando o processo muito mais rápido. O objectivo do Ministério da Saúde é, aliás, que estes médicos comecem a trabalhar já no início de Julho.
Poucos lugares no Norte

As estimativas da tutela são muito ambiciosas. Se todas as vagas fossem preenchidas, seria possível, de acordo com as contas da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), dar médico de família a mais de 642 mil pessoas. A maior parte das vagas é para centros de saúde da região de Lisboa e Vale do Tejo e a do Algarve e há poucos lugares na zona Norte, obrigando muitos médicos desta última região a migrar para o Sul.

“As necessidades continuam a ser superiores às vagas que o Governo assume, em particular no Norte e ainda mais no Interior Norte. O propósito real é desviar os candidatos do Norte para satisfazer as necessidades do Sul, mas sem oferecer condições que permitam aos candidatos exercer a sua profissão condignamente [em salário, motivação, condições laborais e tudo mais]”, lamentam.

E vão mais longe, ao defenderem que a aceleração deste processo tem resultado “em enormes injustiças e ilegalidades”. “Os colegas que se encontravam fora da função pública e que pretendem reingresso vão candidatar-se ao mesmo concurso que os recém-especialistas e há já várias notícias de colegas reformados a serem convidados de novo para USF [Unidades de Saúde Familiar] antes do concurso. Estamos literalmente a ser obrigados a virar-nos e lutar uns contra os outros”, descrevem.

Os recém-especialistas põem em causa a “implementação de um exame teórico elaborado em parcas condições”, além do “constante desrespeito pelo direito que os candidatos sempre tiveram em rever a prova e contestar elementos” e ainda o novo modelo de prova prática, criado “de forma apressada”. Contestam ainda o facto de estarem a concorrer com candidatos que realizaram o exame nos moldes “antigos” e que, por isso, dize, “apresentam uma vantagem injusta relativamente aos candidatos do actual concurso”.

O resultado de tudo isto acabará por ser o contrário daquilo que pretendia o Governo, antecipam: “A maioria destes candidatos assume sair da função pública para exercer no privado ou no estrangeiro, em procura de melhores condições laborais”. O gabinete do ministro da Saúde – a quem o PÚBLICO pediu um comentário – remeteu esclarecimentos para a Administração Central do Sistema de Saúde que, até sexta-feira ao fim da tarde, não enviou qualquer resposta.