28.2.19

Pobreza

Marisa Matias, in Esquerda.net

Portugal continua a ser um dos países da Europa com maior taxa de pobreza e de exclusão. Se não se começar a integrar a pobreza em todas as políticas, a pedra de Sísifo continuará a ser carregada nos discursos, mas rolará sempre até à base porque a prática não os acompanha.

“A essência da pobreza aniquila o futuro”, escrevia Orwell. Um quarto da população europeia vive numa situação de risco de pobreza. São 120 milhões de pessoas, doze “países” iguais a Portugal. Falamos de pessoas que vivem na região mais rica do mundo. Este facto não tem comovido as instituições europeias que, nos últimos trinta anos, recuaram, e muito, em relação ao que haviam traçado como estratégia. Aos defuntos Programas Europeus de Combate à Pobreza seguiu-se um objectivo de reduzir a pobreza até 2010. Ninguém lhe prestou atenção e esse objectivo não saiu do papel.

Os esforços de inclusão social, o reforço dos serviços públicos ou o aumento dos salários têm caído no altar onde se exibe o Tratado Orçamental ou o Pacto de Estabilidade e Crescimento. O investimento social ou o reforço da capacidade de protecção social são as primeiras vítimas. Não há compromisso que vingue perante as metas e as exigências da contenção. O problema é que falamos de uma contenção que é sempre para os mesmos.
Nas esferas de decisão, nos debates ou em qualquer canto de qualquer sociedade, é difícil encontrar pessoas contrárias ao combate à pobreza e, no entanto, ela aí está para nos mostrar como as políticas não têm sido eficazes ou não têm sequer tentado evitá-la ou reduzi-la.

Em Portugal, sentimos na pele a austeridade a cravar fundo e a pobreza a aumentar. E, mais uma vez, no discurso sempre houve um voluntarismo garantido de que um dia se acabaria com ela. E não se acaba. Porquê? Porque a pobreza não resulta de uma qualquer combinação astral e reduzir sistematicamente o investimento público nos serviços públicos não é compatível com uma política de inclusão social. Porque a ausência de uma política de habitação que garanta o direito à casa não é compatível com o apadrinhamento da especulação imobiliária. Porque o acesso à escolaridade de qualidade e igualitária não é compatível com o encerramento de estabelecimentos de ensino ou a inexistência de redes de transporte e de serviços de apoio. As contradições existentes a este respeito poderiam estender-se sem fim, mas o que é importante perceber é que a pobreza não é um problema retórico de se somos a favor ou contra ela. A pobreza é um problema político e todas as políticas essenciais têm falhado no essencial para o seu combate.

Como podemos quebrar este ciclo vicioso? Desde logo, parando de fingir que algo está a ser feito e assumindo que só integrando uma avaliação dos impactos das políticas em termos de pobreza se pode efectivamente começar a combatê-la.

Portugal continua a ser um dos países da Europa com maior taxa de pobreza e de exclusão. Se não se começar a integrar a pobreza em todas as políticas, a pedra de Sísifo continuará a ser carregada nos discursos, mas rolará sempre até à base porque a prática não os acompanha. Em tempos em que tanto se debate a democracia é preciso não esquecer que a pobreza é a sua maior inimiga.
Artigo publicado no “Diário de Notícias” a 23 de fevereiro de 2019