3.12.07

Cinco deficientes dão lição de vida no trabalho

Maria de Lurdes Lopes, in Jornal de Notícias

Utentes da APPACDM são muito elogiados pelas diversas entidades empregadoras


Às 8.10 horas, de segunda a sexta-feira, Alexandra apanha o autocarro na Rodoviária, em Santarém, para, meia hora depois, chegar a Vila Chã de Ourique e iniciar um dia atarefado no Centro de Dia daquela povoação do concelho do Cartaxo. Num primeiro olhar, Alexandra cumpre, como milhares de portugueses, uma rotina diária, não fosse o caso desta mulher de 31 anos sofrer de uma doença mental e de ter "agarrado" uma oportunidade para se sentir "igual".

Alexandra vive num apartamento com a sua "família", três mulheres e um homem que a Associação de Pais e Amigos do Cidadão com Deficiência Mental (APPACDM), de Santarém, entendeu, há dois anos, estarem em condições para darem um passo mais avançado em direcção à autonomia.

Ainda antes de a lei o permitir, a APPACDM/Santarém arriscou e, em parceria com a Segurança Social, comprou um apartamento no Vau, zona habitacional relativamente recente no planalto de Santarém, para cumprir o sonho de cinco dos jovens que viviam já no Lar Residencial das Olaias (actualmente com 13 residentes).

Maria João Santos, a assistente social que tem a seu cargo estas valências da instituição, confessou que foi mais difícil para os técnicos do que para os jovens. "Foi como quando os pais se separam dos filhos e eles seguem a sua vida. Nos primeiros tempos, sem eles saberem, uma funcionária dormia escondida na casa para termos a certeza de que tudo estava bem", disse.

Agora, a funcionária apenas está presente na casa entre as 17 horas e as 23 horas, acompanhando a chegada do trabalho e as rotinas até se deitarem.

De manhã, Daniel, Alexandra, Isabel, Helena e Madalena acordam cedo e, quando descem do primeiro andar para a rua, cerca das 8 horas, deixam a sua casa arrumada e limpa. Daniel ajuda Helena a colocar o saco do lixo no contentor e parte a pé em direcção a um dos jardins da cidade, onde trabalha - é funcionário da Câmara Municipal de Santarém.

Muito cumpridora

Alexandra é a primeira a sair, porque o autocarro não espera e não admite chegar atrasada. Uma das suas primeiras tarefas é pôr as mesas e ajudar nos pequenos-almoços dos 38 idosos que frequentam o Centro de Dia da Associação Comunitária de Assistência Social de Vila Chã de Ourique.

"É uma óptima funcionária, adaptou-se muito bem, cumpre à risca, além de que é muito meiga, o que faz com que todos gostem muito dela", sublinhou a directora do Centro, Ana Oliveira.

"Eles fazem as pequenas compras diárias da casa, vão ao supermercado", diz Maria João Santos, frisando que do dinheiro que recebem nos seus postos de trabalho pagam a mensalidade à instituição, ficam com o necessário para as suas despesas e depositam o restante em contas bancárias, geridas com as famílias quando estas existem.

Isabel, a mais nova dos cinco, está feliz porque vai poder voltar a trabalhar no cabeleireiro onde fez um programa ocupacional, apesar de ser em regime de voluntariado porque a proprietária não tem condições para lhe dar emprego. Entretanto, está inscrita no Centro de Emprego à espera de uma oportunidade e não falha um ensaio do Teatro Fantasia, da APPACDM/Santarém, do qual é actriz.

Outras ocupações

Madalena acompanha Isabel e Helena - que trabalha no infantário da instituição, "Joaninha" - no caminho que aquelas fazem até à Rodoviária, onde as espera o autocarro da APPACDM que vai para a sede, no Vale de Santarém.

Madalena vai até ao Lar Residencial das Olaias (onde os que trabalham em Santarém almoçam) até entrar, às 9.30 horas, na loja que vende artigos feitos por pessoas com deficiência, que lhe deu emprego depois da empresa onde fez formação profissional com Alexandra ter falido.